Mais um ano chegando ao fim e já com alguns projetos para o ano que vem! Esse ano pude concluir meu mestrado, intitulado The Lord of the Rings e a estética da finitude e cujo texto completo se encontra disponível no acervo eletrônico da Unesp. Para o ano que vem, começo um novo projeto de pesquisa e uma nova etapa da minha vida acadêmica com meu doutorado, intitulado A
espada e a luneta: a descoberta do mundo entre o ordinário e o
maravilhoso. Segue meu projeto abaixo e um ótimo 2012 a todos!
sábado, 24 de dezembro de 2011
terça-feira, 29 de novembro de 2011
A música alemã: de Wagner a Wir sind Helden - Parte 2
Só é possível ter uma noção da música pop alemã à partir dos anos de 1960 e 1970. Em meu curso, depois de "aterrorizar" os alunos com Schönberg e Stockhausen, apresentei um grupo que se dizia inspirado, senão "discípulos" de Stockhausen, que também atuou como um dos precursores da música eletrônica. Esse grupo, gravou também canções em inglês, o que os tornou mundialmente conhecidos, e ele é nada mais nada menos que Kraftwerk, nome que significa "usina de força". Imitando robôs, eles começam a ressaltar um aspecto que, pelo menos na música pop acabou se sobrepondo à própria música, que é o aspecto visual do grupo. Além disso, são considerados os precursores e inspiradores da música eletrônica, tendo seguidores como os franceses do Daft Punk:
Daqui para frente não tenho muito mais a dizer, deixo apenas alguns exemplos da música alemã, cantada em alemão, que é bem variada e não se resume ao bem conhecido Rammstein.
Essa última música é um clássico do rock da antiga Alemanha Oriental. Parece uma música sobre superação e o refrão diz:
Sobre sete pontes, você deve passar,
A sete anos sombrios sobreviver.
Sete vezes você virará cinzas,
Mas uma vez também, uma luz brilhante.
sábado, 12 de novembro de 2011
A música alemã: de Wagner a Wir sind Helden - Parte 1
Conforme escrito em meu "Sobre mim", A música alemã: de Wagner a Wir sind Helden foi uma aula dada por mim como parte do estágio de licenciatura em língua alemã. Nosso grupo resolveu que, em vez de se preocupar com a língua, iríamos falar sobre a cultura alemã, introduzindo uma ou outra curiosidade linguística conforme fosse conveniente. Nossas aulas deram conta de um amplo espectro da cultura e da história alemãs durante o século XX, abrangendo tanto fatos históricos, como as duas Grandes Guerras e a República de Weimar, quanto culturais, a saber, o cinema alemão - que figurava entre os mais importantes do início do século -, o teatro de Brecht e a música, parte que coube a mim.
O título escolhido abrange um pouco mais que o século XX, tomando como início a obra de Wagner e chegando até o século XXI com a música pop cantada em alemão. A pretensão dessa aula não era dar a história detalhada sobre cada compositor, mas sim oferecer um panorama amplo da variedade da música nos territórios de língua alemã durante esse período.
Em fins do século XIX, após a Unificação em 1871, a música nos territórios de língua alemã encontrava-se dividida em duas vertentes, ou antes colocada sob o signo de dois grandes mestres: Johannes Brahms e Richard Wagner. O primeiro residia em Viena, local considerado centro de uma tradição musical e "capital da valsa", por onde passaram o que na história da música se chama de Primeira Escola de Viena, nome que se refere aos compositores Joseph Haydn, Wolfgang Amadeus Mozart e Ludwig van Beethoven. A música de Brahms era considerada mais conservadora, sendo, porém, segundo Otto Maria Carpeaux, aquela que portava o verdadeiro espírito alemão, herdado de Johann Sebastian Bach entre outros.
Contudo, era Wagner que produzia uma música ideologicamente bastante nacionalista, com suas óperas que exaltavam a tradição e herança pagãs do antigo mundo germânico. Do ponto de vista composicional, Wagner também era um experimentador, utilizando-se bastante do cromatismo e desafiando as fronteiras da música tonal. Eis abaixo, uma cena de Tristan e Isolde, em uma encenação modernizada:
O segundo compositor que destaquei, foi o judeu-austríaco Arnold Schönberg, que, antes de se mudar para os E.U.A., trabalhou no conservatório de Berlin. Auto-didata e conhecedor de um vasto repertório, Schönberg rompeu de vez com a música tonal e lançou uma nova forma de composição: a música dodecafônica ou serial. É uma música bastante diferente e dissonante aos nossos ouvidos, considerada como o expressionismo na música. Sua obra, como um todo, é marcada também por importantes escritos teóricos, com destaque para o Harmonielehre (em português Harmonia, publicado pela editora Unesp). Por fim, Schönberg e seus discípulos mais proeminentes, Alban Berg e Anton Webern, formam o que é conhecido como Segunda Escola de Viena:
Ao romper com o tonalismo, Schönberg abriu caminhos para uma música nova, cujas experimentações foram se tornando cada vez mais radicais. No século XX, com as novas tecnologias, a possibilidade de gravação e reprodução da música por diversos meios, fez com que a música também se desenvolvesse sob diversas formas. Em alguns casos, como no jazz - tipo de música bastante tocado durante a República de Weimar - a música fugia da monotonia, que poderia ser gerada pelas gravações, através da improvisação. Em outros, os próprios meios eletrônicos e de gravação eram usados para compor. O maior expoente dessa música de vanguarda é Karlheinz Stockhausen, que merece dois exemplos bastante diversos de sua música:
A variedade da obra de Stockhausen pode ser contemplada quando ouvimos a peça acima e a obra Stimmung, uma obra somente vocal, lembrando os madrigais e motetos renascentistas, composta de vários "modelos" (partes) e que possui uma certa abertura à improvisação dos intérpretes:
Assim finalizo a parte da música erudita e de vanguarda. No próximo post passamos à música pop alemã, dos anos de 1970 até hoje.
domingo, 6 de novembro de 2011
Berlim: entulho e cinzas
por Prof. Dr. José Pedro Antunes
Unesp - Araraquara
Para
acompanhar a leitura de “Guerra Aérea e Literatura”, de W. G.
Sebald (Cia. das Letras, 2011), percorro algumas séries de fotos de
Berlim (abril/maio, 1945) que a revista Der Spiegel on-line
disponibiliza. Já no título de uma delas, “Berlin in Schutt und
Asche”, duas palavras do vocabulário da literatura do pós-guerra:
entulho e cinzas. Para escorar seu desconforto, esses autores,
ex-combatentes, buscaram uma zona de conforto, digamos assim, numa
sintaxe cristalizada, elegendo um modelo preferencial: o realismo do
século XIX. Sem atentar para seus equívocos de base. Ou, como quer
Peter Handke, a combater o mal com a mesma linguagem que o produziu.
Foto
1: (2 de maio, capitulação da cidade): o que restou do Reichstag.
(O número 7 da Coleção Folha Grandes Arquitetos, dedicado ao autor
do projeto, Norman Foster, traz belas fotos do edifício, hoje,
restaurado e ampliado.)
Foto
2 (abril/maio): o soldado russo observa, cruz de ferro no peito, o
corpo de um alemão que tombara em combate no centro da cidade.
Foto
3: no texto que a acompanha, um outro verbete dos debates do
pós-guerra: “Trümmer” (escombros). Daí, “Trümmerstadt”
(cidade de escombros) ou “Trümmerliteratur” (literatura de
escombros). E, claro, “Trümmerfrauen” (mulheres de escombros).
Quem já não as terá visto em fotos ou filmes americanos da época?
Em “Ilusão Perdida”, o piloto americano (Montgomery Cliff),
engajado no abastecimento do setor ocidental sitiado, se apaixona na
por uma delas. Vale lembrar que o termo “Luftbrücke” (ponte
aérea) foi cunhado para designar as operações dos pilotos
americanos, tendo se perpetuado no vocabulário da aeronáutica. Na
falta absoluta de homens em idade produtiva, mutirões de mulheres
empreenderam as tarefas da reconstrução, antecipando-se, por força
das circunstâncias, à emancipação defendida pelo feminismo
programático de duas décadas depois.
Foto
4 (anterior a 23 de maio): pessoas buscam passagem por entre os
montes de entulho que inviabilizam a Stallschreiberstrasse. De onde
terão saído e para onde seguiriam em meio à urbe devastada?
Foto
5: a Potsdammerbrücke arruinada. (A ponte que tantas vezes
atravessei em janeiro de 1994. Ali perto, a editora Langenscheidt, um
nome que rebrilha amarelo-ovo na memória afetiva do germanista
brasileiro, por conta do dicionário, que, há décadas, solitário,
heróico, lhe oferece luzes e alguns problemas com os usos
lusitanos.) Numa das pontes adiante, idêntica, Wim Wenders filmou a
sequência de “Asas do Desejo”, na qual os protagonistas, anjos,
assistem um homem à morte depois de um acidente.
Foto
6: por volta do dia 9 de maio, o Spittelmarkt ainda fumegante, a
cidade marcada pelos ataques aéreos dos aliados.
Foto
7: a história contada pelos vitoriosos. Difícil saber o que
realmente achavam ter conquistado, mas os soldados russos elegeram
como pano de fundo, para o seu júbilo viril, a Siegessäule (Coluna
da Vitória), hoje amplamente conhecida como símbolo da comunidade
gay berlinense.
Foto
8: as ruínas da Neue Reichskanzlei, símbolo de poder transformado
em símbolo da derrocada.
Fotos
9 e 10: a cidade arrasada, tal como foi vista por aqueles que, dias
depois, criaram coragem para sair dos porões e abrigos subterrâneos,
onde se amontoaram, como ratazanas acuadas, por semanas
intermináveis. Ao sair, temiam os soldados soviéticos, que, nos
dias que se seguiram, passaram a abastecê-los com alimentos.
Com
o título em alemão, acima mencionado, o leitor interessado
encontrará acesso a esta e a outras séries de fotos do período. Em
“Guerra Aérea e Literatura”, W. G. Sebald realiza a tarefa da
qual, como ele denuncia, a literatura alemã do pós-guerra terá se
mostrado incapaz: conferir materialidade à destruição total de
grande parte das cidades alemãs e revelar a exata dimensão do
horror, do ensandecimento vivido pelos sobreviventes. Assunto para
uma resenha mais adiante.
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Noites de inverno são tempos para os contos dos Grimm
Os irmãos Jacob e
Wilhelm Grimm registraram durante século XIX todos os contos de fadas que
eles ouviram. Felizmente, caso contrário, haveria muito menos para se
contar.
Por gerações o mais
famoso contador de histórias da Alemanha foi reconhecido sobretudo
por seus méritos na área da linguística. Gerações de germanistas
inteiras precisaram de ainda 100 anos para concluir, sozinhos, apenas
o "Dicionário de Alemão", que, no momento da morte de
Jacob Grimm em 1863 já estava completo até a letra F.
Porém, os Grimm não
se tornaram mundialmente famosos através de seu dicionário, mas sim
através de sua coleção Contos para o Lar e para as Crianças, que, supostamente, foram-lhes confidenciados da boca do
povo. Ela não foi a primeira de seu tipo: já em 1782, Johann August
Musäus tinha publicado seus Contos populares dos Alemães e
encontrado rápidos copiadores.
Contudo, nenhum desses
livros teve o efeito dos contos dos Grimm. Traduzida em 160 línguas,
a coletânea é - ao lado da Bíblia - de longe, o livro mais
difundido e lido do mundo. Agora mesmo chega aos cinemas um novo
desenho animado da Disney, que é uma variação do conto "Rapunzel"
dos Grimm.
É inacreditável que
ninguém tenha se interessado por isso antes do surgimento dos dois
volumes em 1812 e 1815. O editor Georg Reimer deixou os 350
exemplares não vendidos do segundo volume serem novamente triturados e reaproveitados como matéria prima. O sucesso começou por uma via
indireta, através da Inglaterra: lá, Edgar Taylor, em 1823,
publicou uma tradução dos 50 contos mais simples e que se fixam
rápido na memória, que foram vendidos freneticamente.
Como se dois grandes
feitos como o Dicionário e os Contos já não bastassem, os irmãos
fundaram, além disso, a pesquisa científica da língua alemã, com
edições filologicamente exatas de textos da Idade Média, com uma
Coletânea de Sagas e com seus trabalhos de gramática.
Essa produtividade
violenta é explicável através de um fenômeno que hoje está
amplamente em extinção: a ética de trabalho protestante. Os Grimms
eram descendentes de uma família de Cristãos Evangélicos
Reformados, cujos antepassados, desde a comunidade rural até o
funcionalismo público tinham trabalhado muito.
Nesse mundo, o trabalho
era como serviço religioso, e o sucesso alcançado através do
esforço era como um sinal de que o olho do Senhor repousava
misericordiosamente sobre o bem sucedido.
A relação dos irmãos
permaneceu bem estreita durante toda a vida; até a juventude, eles
deviam dividir uma mesma cama. Mas também quando Wilhelm casou-se em
1825, a ligação não se rompeu. Jacob escreveu em 17 de dezembro de
1859 a um colega: "ontem, dia 16, às 3 horas da tarde, Wilhelm,
a metade de mim, morreu. É maravilhoso, que ele ja tenha terminado
até a letra D."
Fonte:
http://www.welt.de/kultur/literarischewelt/article11784577/Winterabende-sind-die-Zeit-fuer-Grimms-Maerchen.html
Quando estive na Alemanha, tive que fazer um pequeno seminário sobre um tema qualquer. Então escolhi os Grimm e dei sorte de achar esse texto, com várias informações interessantes, como o número de línguas em que os seus contos foram traduzidos e a ética de trabalho protestante! Quando apresentei o seminário era inverno lá... portanto, uma boa época para um conto dos Grimm!
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
Professores nativos vs. professores brasileiros
Observando o mercado, alguns alunos e suas expectativas, notei que os olhos de alguns donos de escola ou mesmo dos alunos brilham só de pensar em ter aulas com um professor nativo, ou alguém que morou algum tempo fora, geralmente de au pair. Enfim, daí surge a questão: Será que eles são/serão melhores professores?
A primeira pergunta a ser feita deveria ser: eles são professores? Sim, pois basta pensar em si mesmo como falante de português: você saberia transmitir todos os conhecimentos necessários para o domínio da língua para um estrangeiro? Ou mesmo, saberia explicar português para um brasileiro?
Pois chegamos a resposta, um professor nativo de língua estrangeira deve, antes de tudo, ser um professor, conhecer a língua e saber explicá-la de forma clara e inteligível, mesmo que em seu idioma nativo. Contudo, não é isso que podemos ver em várias escolas de idiomas (leia-se as escolas menores). Muitas vezes, o professor é algum brasileiro que morou fora do país por um tempo e ensina o idioma estrangeiro, ser ter sequer estudado para ser professor de língua. Idem para o professor nativo. O que decorre daí são vários problemas de dúvidas não solucionadas e até um possível choque cultural.
Citando um exemplo de um problema comum: é difícil para um alemão explicar o que são casos para um falante de português. O assunto em questão é, na verdade, difícil de explicar até mesmo para um professor brasileiro, que teve primeiro que estudar o conceito de caso e encontrar uma forma própria de entendê-lo para depois retransmiti-lo. Assim, podemos verificar os seguintes problemas com professores nativos, que não estudaram para ser professores (ponto muito importante):
- Eles podem não entender as dúvidas dos alunos, caso não conheçam a fundo a língua materna deles;
- Por não entenderem os alunos, podem ser rígidos demais, o que desestimula o aprendizado;
- Criam pressupostos que não existem, visto as línguas serem muito diferentes, isto é, pensa que o aluno deve saber algo intuitivamente, mas que não faz sentido em sua língua materna;
- Não dominam formas de transmitir o conhecimento e, no caso de migrantes que moram há muito tempo no país, prendem-se a velhas formas de aprendizado.
Há também aqueles que moraram um bom tempo no exterior e se aventuram a ensinar a língua, mas também não estudaram para ser professores. Nesse caso deve-se atentar para o fato de que:
- Eles, na maior parte das vezes, não aprenderam a norma culta da língua;
- Também não dominam formas de ensinar;
- Não possuem o conhecimento adequado, caso o aluno queira atingir altos níveis de proficiência.
Mas devemos citar também as vantagens de tais "professores", tais como:
- Transmitir uma vivência cultural do país estrangeiro;
- Estar mais acostumado com o falar coloquial (gírias, etc.)
- Entender a cultura e o modo como se dão as relações inter-pessoais no país estrangeiro;
- No caso de professores nativos, ter uma pronúncia com menos sotaque brasileiro (embora possa possuir uma pronúncia dialetal um tanto confusa, que se desvia da norma padrão).
Entretanto, é necessário valorizar o profissional que realmente estudou para ser professor da língua, o qual nem sempre possui essa vivência no país estrangeiro. Contudo, se for um profissional bem preparado, ele:
- será alguém bem qualificado para tirar quaisquer dúvidas do aluno e entender a origem dessas dúvidas, especialmente por ter um conhecimento aprofundado da língua materna do aluno;
- geralmente, terá um conhecimento da cultura erudita construída através da língua alvo, ou seja, sua literatura, arte, história, etc.
- será um professor de verdade, alguém preparado não só com os conhecimentos da língua, mas também com os métodos para transmiti-la.
Finalizando esse post que já se alongou bastante, gostaria de ressaltar que não importa tanto a experiência no exterior ou o fato de o professor ser ou não falante nativo da língua. O que realmente importa é que ele seja um professor, instruído e capacitado para isso!
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
De onde vêm os buracos no queijo? - Kurt Tucholsky
Queijo Emmental |
"O trabalho já nos força à admiração pela erudição, que lhe parece passada demais, especialmente aos leitores, cuja formação, como a minha, lembra um queijo Emmental, que é, em grande parte, formado por lacunas".
Alfred Polgar
Quando é realmente uma noite social, as crianças comem primeiro. Crianças não precisam ouvir tudo o que os adultos falam, e isso também não é chique; e também é mais barato. Temos sanduíches; a mamãe belisca algum, o papai ainda não está.
- Mamãe, Sônia disse, que já pode fumar - mas ela não pode fumar de jeito nenhum!
-Você não devia conversar à mesa.
- Mamãe, olha só os buracos no queijo!
Duas vozes de criança, ao mesmo tempo:
- Tobi é um bobão! No queijo sempre tem buracos!
Uma voz chorosa de menino:
- É... mas por quê? Mamãe! De onde vêm os buracos no queijo?
- Você não devia conversar à mesa!
-Mas eu só queria saber, de onde vem os buracos no queijo!
Pausa. Mamãe:
- Os buracos... ora, um queijo sempre têm buracos, nisso as meninas têm toda razão!... Um queijo tem sempre buracos mesmo.
- Mama! Mas este queijo não tem nenhum buraco! Por que este não tem buracos? Por que o outro tem buracos?
- Agora fica quieto e coma. Eu já lhe disse centenas de vezes: você não deve conversar à mesa! Coma!
- Grrrrr! Mas eu queria saber, de onde vem os buracos... ai, ai, ai, não me empurre sempre...!
Gritos. Entra o Papai.
- O que está acontecendo aqui? Banoite! Ah, o rapazinho está outra vez malcriado!
- Num sou malcriado! Só quero saber de onde vêm os buracos no queijo. Aquele queijo lá tem buracos, e esse não tem nenhum!
Papai:
-Ah, não precisa gritar por causa disso! A mamãe vai lhe explicar!
Mamãe:
- Agora você dá direito ao menino! À mesa, ele tem que comer, não conversar!
Papai:
- Se uma criança pergunta algo, podemos então finalmente lhe explicar! Acho eu.
Mamãe:
- Toujours en présence des enfants![1] Se eu achasse certo explicar, então já teria explicado. Agora come!
- Papai, mas de onde vem os buracos no queijo, eu queria muito saber!
Papai:
- Bem, os buracos no queijo, é na fabricação; queijo se faz de manteiga e de leite, então ele é fermentado e daí ele fica úmido; na Suíça, eles fazem isso muito bem! Quando você for grande, você pode ir alguma vez à Suíça, lá têm montanhas tão altas, que tem neves eternas por cima... é bonito, o quê?
- Sim. Mas, papai, de onde vêm os buracos no queijo?
- Eu acabei de lhe explicar: eles vêm quando ele é fabricado, quando é feito.
- Sim, mas... como eles param lá dentro, os buracos? Menino, agora não me perfure com seus buracos [2] e vá para a cama! Marche! É tarde!
- Não! Papai! Ainda não! Me explica primeiro de onde vem os buracos no queijo...
Bumm. Safanão. Grito escandaloso. Campainha.
Tio Adolf:
- Boa noite! Boa noite, Margot... e... noite... então, como vai? O que as crianças estão fazendo? Tobi, o que você gritou mesmo?
- Eu quero saber...
- Fica quieto ...!
- Ele quer saber...
-Então, agora leve o menino para a cama e me deixe em paz com essas bobagens! Venha, Adolf, enquanto isso, nós vamos à sala dos homens, aqui ficou encoberto!
Tio Adolf:
- Boa noite! Boa noite! Velho gritador! Da próxima, só escute...! O que ele tem afinal?
- Margot não é firme com ele. Ele quer saber de onde vem os buracos no queijo, e ela não lhe explicou isso.
- Então você explicou?
- Claro que lhe expliquei!
- Obrigado, não vou fumar agora... Mas diga, você sabe mesmo de onde vem os buracos no queijo?
- É, essa é uma pergunta estranha! Claro que sei de onde vem os buracos no queijo! Eles surgem na fabricação, através da umidade... isso é tão simples!
- Hum, meu caro... então você explicou uma grande coisa ao garoto! Isso não é, de jeito nenhum, uma explicação!
- Ah, não me leve a mal! Você é bem estranho! Você pode, então, me explicar de onde vêm os buracos no queijo?
- Graças a Deus, eu posso!
- Então, por favor.
- Bem, os buracos no queijo surgem através da assim chamada caseína, que está dentro do queijo.
- Que besteira!
- Não é besteira.
- Uma grande besteira, pois isso não tem nada a ver com a caseí... Noite, Martha!... Noite, Oskar... por favor, puxe uma cadeira. Como vai?... nada a ver com a caseína!
- Sobre o que vocês estão discutindo?
Papai:
- Lhe peço por tudo no mundo, Oskar! Você que é estudado e é advogado: os buracos no queijo tem alguma coisa a ver com a caseína?
Oskar:
- Não. Os queijos nos buracos... quero dizer, os buracos no queijo resultam de... bem eles surgem, porque o queijo se expande muito rápido pelo calor na fermentação!
Vaias dos, de repente aliados, indescritíveis heróis Papai e tio Adolf.
- Haha! Hahaha! Ah, essa é uma explicação engraçada! O queijo se expande! Ouviu isso? Haha...!
Entra tio Siegismund, tia Jenny, Dr. Guggenheimer e Diretor Flackeland. Um grande "Boa noite! Boa noite!... como vai?... conversam sobre... mas que estranho... justamente buracos no queijo!... logo, logo, vai ser comido... bem, por favor, então explique você!"
Tio Siegismund:
- Bem... os buracos no queijo surgem porque o queijo durante a fermentação, se encolhe por causa do frio.
Crescente murmúrio, rumor, então grande explosão com toda uma orquestra ocupada: "Haha! Do frio! Você já comeu queijo frio? Ainda bem que o senhor não faz queijos, senhor Apolant! De frio! Hehe! - Tio Siegismund, ofendido, se retira para o canto.
Dr. Guggenheimer:
- Antes que se possa decidir essa questão, os senhores devem primeiro me dizer, de que queijo se trata. Pois isso depende mesmo do queijo!
Mamãe:
- Sobre queijo Emmental! Nós o compramos ontem... Martha, agora eu só compro no Danzel; com o Mischewski, não estou mais satisfeita, ele nos mandou recentemente umas passas que estavam bem...
Dr. Guggenheimer:
- Bem, se é Emmental, então a coisa é muito simples. O Emmental tem buracos, porque ele é um queijo duro. Todos os queijos duros têm buracos.
Diretor Flackeland:
- Meus senhores, para isso precisamos outra vez de um homem da vida prática... os senhores são em grande parte acadêmicos... - (ninguém contradiz) - Portanto, os buracos no queijo são produtos da decomposição durante o processo de fermentação. Sim, o... o queijo se decompõe, exatamente... porque o queijo...
Todos os dedões já estavam voltados para baixo, o povo se levantou, a tempestade irrompeu: "Bah! Isso eu também sei! Com fórmulas químicas é que a coisa não é feita!" Uma voz alta: "Vocês não têm nenhuma enciclopédia?"
Tempestade na biblioteca. Heyse, Schiller, Goethe, Bölsche, Thomas Mann, um velho álbum de poesias - onde está então... certo!
POLITONALIDADE ATÉ RICHELIEU
- Pugilismo, Pulsar, Qatar, Quadratura, Quadrinhos, Quasar, Queijo! - Me deixe! Vai embora! Pardon! Bem: 'A consistência porosa de alguns tipos de queijo resulta do surgimento de ácido carbônico a partir do açúcar contido no soro'.
Todos em uníssono:
- É... O que eu tinha dito?
- ... contido no soro e é... para onde continua? Margot, você arrancou aqui uma página na enciclopédia? Ah, isso é ultrajante! Quem esteve aqui na estante de livros? São as crianças...? Por que você não tranca a estante de livros? Por que você não tranca a estante de livros, é... bom - centenas de vezes eu falei, tranque-a!
- Mas agora vamos: como era então? Sua explicação estava errada. Minha explicação certa.
- O senhor disse: "o queijo esfria". Eu disse, que o queijo esquenta!
- Ah bem, então o senhor não disse nada sobre soro de leite açúcar e carbônico, como está aqui dentro!
- O que você disse era completamente absurdo!
- O que você entende de queijo? Você não sabe diferenciar um redondo queijo de cabras de um velho queijo holandês!
- Talvez eu tenha comido mais velhos queijos holandeses na minha vida que você!
- Não cospe, quando fala comigo!
Agora todos estão falando ao mesmo tempo.
Ouve-se:
- Seja amável e decente quando estiver como convidado em minha casa...!
- Natureza ácida do Sorúcar...
- A mim não faz nenhum sentido!
- Para queijos suíços, sim! Para queijo Emmental, não!
- Você está aqui, não na sua casa! Aqui tem gente decente...
- Onde mesmo?
- Pegue isso de volta! Pegue imediatamente de volta! Eu não permito que meus convidados me insultem em minha casa - eu não permito que insultem meus convidados em minha casa! Você saia imediatamente de casa!
- Eu ficarei feliz quando estiver fora; da sua comida, eu não preciso!
- Você não pisa mais não pisa mais na minha propriedade!
- Meus senhores, mas isso é... !
- Os senhores calem a boca - os senhores não pertencem à família!...
- Ah, mas ainda não tomei meu desjejum!
- Eu como homem de negócios... !
- Agora ouçam com atenção: nós tivemos um queijo na guerra...
- Isso não foi nenhuma reconciliação! Para mim tanto faz se você explodir: vocês nos traíram, e quando eu morrer, vocês não entram em minha casa!
- Hipócrita, papa-heranças!
- Você tem uma!
- E eu digo bem alto para todos ouvirem: hipócrita papa-heranças! Assim! E agora vai lá e me processe!
- Malcriado! Um grande preguiçoso malcriado! Não se admira, pelo pai!
- E o seu? Quem é mesmo o seu? Onde você encontrou sua mulher mesmo?
- Fora! Malcriados!
- Onde está meu chapéu? Em uma casa como essa, a gente pode até perder as coisas!
- Isso ainda vai ter consequências jurídicas! Malcriado!
- O senhor a mim também é!
Ao abrir a porta aparece Emma, que vem de Gumbinnen [3], e diz: "Magnânima, está feito!"
4 queixas de insulto privado. 2 testamentos invalidados. 1 contrato rescindido. 3 hipotecas rescindidas. 3 queixas acerca de bens móveis: uma assinatura do teatro conjunta, uma cadeira de balanço, um bidê eletricamente aquecido. 1 despejo do anfitrião.
Na cena ficam para trás um triste queijo emmental e um menininho, que levanta os braços gorduchos para o céu e, apelando ao cosmos, grita retumbantemente:
- Mamãe! De onde vêm os buracos no queijo?
[1] em francês no original
[2] há aqui um trocadilho entre o verbo löchern - que significa encher alguém de perguntas ou dizer repetidamente seus desejos a alguém - e o substantivo Löcher, plural de Loch, buraco.
[3] Antiga região da Prússia, a frase dela é dita em uma forma de pronúncia dialetal.
Original disponível em: http://www.zeno.org/nid/20005815193
[3] Antiga região da Prússia, a frase dela é dita em uma forma de pronúncia dialetal.
Original disponível em: http://www.zeno.org/nid/20005815193
domingo, 9 de outubro de 2011
Sobre o significado de: OM MANI PADME HUM
A joia está na flor de lótus ou louvor à joia na flor de lótus.
por Sua Santidade Tenzin Gyatso, o décimo quarto Dalai Lama do Tibete.
É muito bom recitar o mantra OM MANI PADME HUM, mas enquanto você o está fazendo, deveria pensar em seu significado, pois o significado das seis sílabas é vasto e incomensurável. A primeira, OM, é composta de três letras puras: A, U e M. Elas simbolizam o corpo, a fala e a mente impuros do praticante; elas também simbolizam o corpo, a fala e a mente pura e nobre de um Buda.
O corpo, a fala e a mente impuros podem ser transformados em corpo, fala e mente puros, ou elas são completamente separadas? Todos os Budas são casos de seres que eram como nós, então, por sua confiança no caminho, tornaram-se iluminados; o budismo não afirma que exista alguém que, desde o começo, é livre de faltas e possui todas as boas qualidades. O desenvolvimento do corpo, da fala e da mente puros vem do abandono gradual dos estados impuros, assim seu ser se torna puro.
Como isso é feito?
O caminho é indicado pelas próximas quatro sílabas. MANI, significando joia, simboliza o elemento do método: a intenção altruística de se tornar iluminado, compaixão e amor. Da mesma forma que uma joia é capaz de afastar a pobreza, a mente altruística da iluminação é capaz de remover a pobreza, ou dificuldades, da existência cíclica e da paz solitária. Igualmente, da mesma forma que uma joia preenche os desejos dos seres sencientes, a intenção altruística de se tornar iluminado preenche os desejos dos seres sencientes.
As duas sílabas PADME, significando a flor de lótus, simbolizam a sabedoria. Da mesma forma que a flor de lótus cresce a partir da lodo, mas não é manchado por ele; assim, a sabedoria é capaz de o colocar em uma situação de não contradição, onde deveria ela deveria ocorrer, caso você não tivesse sabedoria. Existe a sabedoria que compreende a impermanência; a sabedoria que compreende que as pessoas são vazias de autossuficiência ou real existência; a sabedoria que compreende o vazio da dualidade (o que significa a discriminação de natureza entre sujeito e objeto); e a sabedoria que compreende o vazio inerente à existência. Embora possam existir diferentes tipos de sabedoria, a principal, dentre todas elas, é a de compreender o vazio.
A pureza pode ser alcançada por uma unidade indivisível de método e sabedoria, simbolizada pela sílaba final HUM, que indica a indivisibilidade. De acordo com o sistema sutra, essa indivisibilidade de método e sabedoria refere-se a uma consciência na qual existe uma forma completa de tanto sabedoria afetada pelo método quanto método afetado pela sabedoria. No mantra, ou veículo tântrico, isso refere-se a uma consciência na qual há uma forma completa de ambos sabedoria e método como uma entidade indiferenciável. Em termos de sílabas germinais dos cinco Budas conquistadores, HUM é a sílaba germinal de Akshobhya – o impassível, o imperturbável, que não pode ser perturbado por nada.
Assim, as seis sílabas, OM MANI PADME HUM, significam que na dependência da prática, que é em uma união indivisível de método e sabedoria, que você pode transformar seu corpo, fala e mente impuros no corpo, fala e mente puros de um Buda. É dito que você não deve buscar pela budeidade fora de si mesmo; o material para o alcance da budeidade estão dentro de si. Como Maitreya diz, em sua SUBLIME CONTINUIDADE DO GRANDE VEÍCULO (UTTARA TANTRA), todos os seres naturalmente tem a natureza de Buda em sua própria continuidade. Nós temos dentro de nós a semente da pureza, a essência de um Caminhar Assim (TATHAGATAGARBHA), que é para ser transformada e completamente desenvolvida em budeidade.
(Da palestra dada por Sua Santidade O Dalai Lama do Tibet no Centro Budista Mongol Kalmuck, Nova Jersey.) Transcrito por Ngawang Tashi (Tsawa), Drepung Loseling, MUNGOD, INDIA.
Original disponível em: http://www.sacred-texts.com/bud/tib/omph.htm
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
Bach & Weiss: Encontros do alaúde em concerto
Liutho concertato
Encontros do alaúde em concerto
por Lutz Kirchhof
O que faz um gênio em seu tempo livre? Ele procura outro gênio para, com ele, encontrar algum passatempo divertido. O que fazia Johann Sebastian Bach, quando não escrevia cantatas, ensinava alunos de latim, conduzia ensaios ou era cercado por aborrecimentos dos líderes da igreja? - Ele convidava Sylvius Leopold Weiss, provavelmente o maior alaudista de todos os tempos, para uma visita.
Alguma »música extremamente refinada« deve ter sido produzida, quando os dois se encontraram. Eles teriam competido em Fantasias e Fugas, como descreve o biografo de Bach, Nikolaus Forkel. O mais surpreendente, que as testemunhas oculares e auditivas relataram, era que: nenhum superou o outro! O que significa, que Weiss podia improvisar, no alaúde, tão bem quanto Johann Sebastian Bach, no cravo - um desempenho que já para os contemporâneos parecia inimaginável.
Como deve ter soado o improviso de dois músicos tão grandes, quando isso normalmente estava fora de seus afazeres musicais e possivelmente lhes teria trazido repreensões? Como improvisava um gênio da música barroca, quando ele podia tocar livremente, apenas para sua própria satisfação?
Por muito tempo só se pôde ter uma vaga noção. Com a descoberta da procedência da trio Sonata em Lá Maior BWV 1025, isso mudou. A autenticidade dessa pequena composição de Bach foi por muito tempo questionada, pois a voz do cravo mostrava algumas características atípicas. A solução do enigma encontra-se quando se compara a parte do cravo com uma sonata solo em Lá Maior para alaúde de Sylvius Leopold Weiss. A concordância é quase completa. Algumas adaptações específicas de cada instrumento na parte do baixo e alguns compassos adicionados são as únicas diferenças na versão de Bach para cravo. A parte do cravo provém, portanto, de Weiss! A parte para violino, tomada por si só é uma composição de Bach bastante incomum, até ininteligível. O sentido musical só se torna nítido, quando a sonata para alaúde na qual está baseada soa ao mesmo tempo. Como fonte adicional há uma frase para a mão direita no cravo, que contém a futura melodia para violino.
Analisando essas circunstâncias e o modo incomum de escrever de Bach fica claro, então, que se trata de uma improvisação sobre a parte inferior de uma peça para alaúde de Weiss, que, no fundo, só poderia surgir em uma alegre noite de música na casa de Bach. As vívidas e geniais variações, ornamentações, imitações e fugas se alternavam com notas mais brandas de acompanhamento, as quais o mestre ouvia atentamente de seu grande colega alaudista. Interrupções subitamente virtuosísticas após uma fase mais longa de concerto suave permitem igualmente encerrar sobre um improviso, como a repetição de notas cômicas e com um toque de dança folclórica para o começo do Rondó ou o fechamento brilhante do Presto.
Bach e Weiss não eram, porém, os primeiros que reconheciam a importância do alaúde como instrumento de concerto. Durante séculos, o alaúde foi um instrumento solo, que ressoava ou para a meditação solitária ou para exigentes concertos. Seu repertório é imensamente grande e existe como um próprio microcosmo dentro do tesouro da cultura ocidental.
Ocasionalmente, alaudistas renunciavam seus sonhos musicais individuais para se lançar ao alvoroço da música de conjunto. Isso podia se tornar, às vezes, algo cansativo para o ouvinte, sobretudo quando vários alaudistas se sentavam em orquestra e tentavam, »agir como velozes corredores«, como lamenta Michael Praetorius; isso deveria ser para o ouvinte, então, »bem desconfortável e cansativo«. - Imaginemos esse comportamento com músicos de uma orquestra sinfônica moderna! Fossem os alaudistas, porém, um pouco mais cultos - finalmente tocavam um »instrumento fino e enobrecedor« (Praetorius) -, eles poderiam alcançar em conjunto um efeito especial.
No século XVI eram comuns peças para conjuntos livres. Poder-se-ia cantar a uma voz isolada ou tocar »em todo tipo de instrumentos«. Contudo, um alaúde deveria tocar junto, assim, era esperado, que um movimento especial fosse composto, que contivesse várias vozes e juntamente a »ornamentação alaudística«. Com todo tipo de »propostas artísticas contra ou a favor«, o alaudista podia, segundo Praetorius, »adicionar seu próprio tempero« à composição.
Grandes alaudistas se superavam na escritura de tais tablaturas e desenvolveram uma técnica de execução muito complicada e virtuosística. O papel especial do alaúde no conjunto dava ao instrumento um amplo espectro de possibilidades de expressão, que a acentuação rítmica, harmônica, polifônica e melódica permitia. Ao tocar junto com instrumentos melódicos surgia um ornamento transparente, que refletia um sentido altamente desenvolvido para o reino de cores musicais da época. Dessa prática de execução desenvolveu-se no século XVII o concerto para alaúde, do qual a expressão »Liutho concertato« encontra uma utilização explícita.
O »Concerto para Alaúde« era no fim do século XVII e na primeira metade do século XVIII uma forma de composição bastante apreciada. Duas vozes externas para instrumentos melódicos eram unidas por inteiro, harmônica e melodicamente em um movimento para alaúde. Inicialmente, compunha-se em estilo francês, que exigia para o alaúde um movimento atravessado, isto é, um movimento sincopado, rítmica e melodicamente bizarros. As vozes externas desses movimentos, que se diferenciavam do alaúde, eram através dos instrumentos melódicos em sua forma pura novamente dadas.
Posteriormente, compunha-se concertos para alaúde no estilo italiano, claro e com melodias acentuadas; as vozes externas recebiam mais independência e permaneciam em uma relação polifônica de alternância com a linha "obbligato" do alaúde.
O charme especial do concerto para alaúde consiste em uma fina ação conjunta de sons dos instrumentos melódicos e do alaúde. Com suas variadas e coloridas possibilidades de formação do som, esses instrumentos alcançavam uma grande amplitude de expressão na música de câmara.Foi produzido um repertório rico e de grande valor de concertos para alaúde, que ligava elegância galante e técnica virtuosística com profundidade e intensidade musicais.
Em nossa gravação segue uma composição que também poderia ter sido ouvida na casa de Bach, o concerto em dó menor para alaúde, violino e violoncelo de Johann Kropffganss. Esse compositor e alaudista virtuoso, que do mesmo modo - junto com Sylvius Leopold Weiss - deve ter se apresentado ao Cantor da Thomaskirche, pertence a uma geração mais jovem. Ele deveria ser um tipo de »jovem selvagem« para os velhos mestres Bach e Weiss. O que ele tinha a oferecer aos dois senhores mais velhos era uma música que, inspirada pelo Sturm und Drang, já permite perceber uma vaga lembrança de Beethoven. Sobre a reação de ambos os senhores mais velhos, infelizmente, não se conhece nada.
O programa faz um salto da casa do Cantor para Viena. A composição de Karl Kohaut tem uma atmosfera bem diferente. Ela lembra a dos concertos de alaúde de Haydn. Desembaraço, galanteria e elegância marcam seu estilo. Depois de tanta profundidade e seriedade pode-se então relaxar um pouco em um salão ou um café. A vida social culta, em cujo ambiente a música surgiu, parece estar presente com seu humor, sua fina emotividade e amigável serenidade em cada peça.
Por fim, uma música dramática, cheia de sentimentos e um tanto misteriosa para ouvir. Na sonata em ré menor de Friedrich Wilhelm Rust, o sentimento dos compositores românticos parecem não estar mais tão longe. Essa música mostra uma dimensão do alaúde, que demonstra sua capacidade de adaptação e atemporalidade de um modo surpreendentemente eficaz.
NOTA: A presença de traduções sobre música antiga se deve, obviamente, ao meu interesse pelo tema, nada mais. Aproveito para divulgar o trabalho desses artistas e compositores.
terça-feira, 20 de setembro de 2011
História para refletir - Quando estou em pé, então estou em pé
Esse texto é retirado da revista Der Weg, que é uma revista para aqueles que estão aprendendo alemão e, obviamente, também pode ser muito útil para professores. Além do acesso on-line, ela pode ser pedida gratuitamente pelo site e recebida em casa pelo correio. A revista contém histórias e curiosidades sobre lugares - cidades, montanhas, regiões - da Alemanha, além de datas comemorativas e biografias de algumas pessoas ilustres que falaram alemão. Além disso, os textos são marcados com asteriscos por seu nível de dificuldade, o que pode ser muito útil, caso algum professor queira utilizar alguma parte da revista em sala de aula. O texto seguinte não tem marcação nenhuma mas é bem interessante para fixar estruturas com wenn, por exemplo.
Wenn ich stehe, dann stehe ich
Ein in Meditation erfahrener Mann wurde einmal gefragt, warum er trotz seiner vielen Beschäftigungen immer so gesammelt sein könne. Dieser sagte:
„Wenn ich stehe, dann stehe ich. Wenn ich gehe, dann gehe ich. Wenn ich sitze, dann sitze ich. Wenn ich esse, dann esse ich. Wenn ich spreche, dann spreche ich...“
Da fielen ihm die Fragesteller ins Wort und sagten: „Das tun wir auch, aber was machst du noch darüber hinaus?“ Er sagte wiederum:
„Wenn ich stehe, dann stehe ich. Wenn ich gehe, dann gehe ich. Wenn ich sitze, dann sitze ich. Wenn ich esse, dann esse ich. Wenn ich spreche, dann spreche ich. Wenn ich bete, dann bete ich...“
Wieder sagten die Leute: „Das tun wir doch auch.“
Er aber sagte zu ihnen: „Nein. Wenn ihr betet, seid ihr schon wieder bei euren Geschäften. Wenn ihr sitzt, dann steht ihr schon. Wenn ihr steht, dann lauft ihr schon. Wenn ihr lauft, dann seid ihr schon am Ziel...“
Ja, da hat der weise Mann schon recht! Wenn wir etwas tun, sind wir mit unseren Gedanken schon wieder bei der nächsten Sache. Wir haben scheinbar keine Zeit mehr, uns nur auf eine Sache zu konzentrieren.
Aber wie wichtig ist es, dass wir wieder lernen, die Dinge, die wir tun, wirklich richtig zu tun und nicht mehrere Dinge gleichzeitig erledigen zu wollen! Lernen wir also wieder die Kunst, uns jeweils auf die Sache zu konzentrieren, die vor uns liegt – es lohnt sich bestimmt!
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Quando estou em pé, então estou em pé
Uma vez perguntaram a um homem experiente em meditação, como ele, apesar de suas muitas ocupações, podia estar sempre tão concentrado. Ele respondeu:
-Quando eu estou em pé, então estou em pé. Quando eu ando, então eu ando. Quando estou sentado, então estou sentado. Quando eu como, então eu como. Quando eu falo, então eu falo...
Daí aqueles que tinham feito a pergunta interromperam:
-Isso nós fazemos também, mas o que você faz além disso?
Ele disse novamente:
-Quando eu estou em pé, então estou em pé. Quando eu ando, então eu ando. Quando estou sentado, então estou sentado. Quando eu como, então eu como. Quando eu falo, então eu falo. Quando eu rezo, então eu rezo...
Novamente, as pessoas disseram:
-Mas nós fazemos isso também!
E ele disse aos outros:
-Não. Quando vocês rezam, já estão novamente em seus negócios. Quando vocês estão sentados, então já estão em pé. Quando vocês estão em pé, então já estão correndo. Quando vocês correm, então já estão no destino...
Sim, então o homem sábio tem razão. Quando nós fazemos alguma coisa, estamos com nossos pensamentos já na próxima coisa. Nós, aparentemente, não temos mais tempo, para se concentrar apenas sobre uma coisa.
Mas como é importante aprender de novo a fazer realmente direito as coisas que nós fazemos, e não querer resolver várias coisas ao mesmo tempo! Assim, aprendemos novamente também a arte de nos concentrarmos, respectivamente, sobre o que está diante de nós - vale a pena com certeza!
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
O que nós brasileiros temos em comum com os alemães?
Propaganda genial da Volkswagen, uma das maiores empresas alemãs instaladas no Brasil.
terça-feira, 13 de setembro de 2011
Lute Music for Witches and Alchemists – Música de alaúde para bruxas e alquimistas
A primeira coisa que me atraiu nesse álbum, gravado por Lutz Kirchhof, foi o seu título bastante interessante e que logo despertou minha curiosidade. Trazendo composições de autores dos séculos XVI até o XVIII, as gravações e o libreto do disco nos dão uma ideia da multiplicidade de usos e crenças que envolviam esse misterioso instrumento, hoje muito raro de ser escutado. Assim, apresentam-se músicas para dança, para meditação, para a cura contra picadas de tarântula, além de composições ligadas aos quatro elementos, bem como da misteriosa quintessência. Reproduzo abaixo, uma tradução minha do libreto que acompanha o disco, com texto original em inglês.
Esta gravação nos leva para mundos em parte bem estranhos a nossa consciência moderna. No tempo em que essa música foi composta, a percepção humana dos tenebrosos recônditos da alma e das nobres alturas de um luminoso mundo mitológico dos espíritos ainda não havia se tornado obscurecida pelo poder do pensamento racional. As atividades dos alquimistas incluíam o confrontamento de seu eu essencial em um processo de meditação, a fase primária do que eles chamavam nigredo, uma “escuridão mais escura que a escuridão”. E uma dessas técnicas de bruxaria envolvia o uso da música e da dança, para estimular as forças da vida, em uma atmosfera que era congenial, mas ao mesmo tempo misteriosa e onírica.
Isso é de grande importância quando nos aventuramos nessas regiões remotas de fantásticas experiências. O melhor jeito de fazê-lo é ouvir repetidamente os trabalhos musicais que nos tocam como algo particularmente sobrenatural, de modo a ganharmos acesso a suas qualidades atemporais. Esse processo pode revelar que danças, fantasias, prelúdios etc., eram concebidos para atuar mais sobre o nível do sonho do que sobre um cientificamente racional ou analítico. É possível entrar em um leve “corpo imaginário”, no qual se ouve e se sente a música – e talvez a dance em acompanhamento.
O mundo do alaúde – A Atlantis musical
Era uma vez um instrumento que – embora tenha sido o instrumento mais importante da Europa por muitos séculos –, da mesma forma que a enigmática cidade de Atlantis, que subitamente afundou no mar com todas suas riquezas e preciosos tesouros, caiu no esquecimento juntamente com toda sua maravilhosa, vital e romântica música: o alaúde.
Nos períodos da Renascença e do Barroco, o som do alaúde deve ter sido quase tão onipresente quanto a música emitida por grandes ou pequenos alto falantes, hoje em dia. Nas ruas, nas cortes, durante as viagens, em câmaras, estalagens e igrejas, nos barbeiros, nas festividades, no banho, a céu aberto, nos encontros secretos dos amantes, no laboratório dos alquimistas... a música do alaúde era ouvida em todos os lugares.
O que era essa música, que tinha tão poderoso efeito e que era tão onipresente?
Acredita-se que os sons delicados e místicos do alaúde poderiam perscrutar “le secret des muses” - o segredo das musas. A música do alaúde penetrava profundamente nos níveis ocultos da consciência. Ela envolvia seus ouvintes em sentimentos de exuberância e melancolia, doçura e simplicidade, de sonho e florescimento erótico; sentimentos de sofrimento, do êxtase e da desilusão amorosa, da alegria ruidosa, da ironia e da seriedade mortal. Ela os transportava para as profundezas desconhecidas da alma. As emoções entorpecidas pela lúgubre, monótona e maçante rotina diária recebiam uma nova e distinta moldura através dessa música. Dela, dizia-se que curava o corpo “através da alma”.
Então, o alaúde foi esquecido. As pessoas gradualmente perderam sua sensibilidade aos seus finos, delicados e melancólicos sons e voltaram-se cada vez mais para o som monumental da grande orquestra, vindo a preferir continuamente os instrumentos mais potentes. A altamente civilizada e refinada arte de tocar alaúde morreu.
Por fim, nós começamos a redescobrir essa Atlantis musical. Bibliotecas e coleções contém um vasto tesouro da música para alaúde. É provável que nenhum outro instrumento musical possua tão enorme repertório – e compositores modernos estão começando novamente a mostrar interesse nesse instrumento. A qualidade pacífica e equilibrada da delicada música dessa “rainha dos instrumentos musicais” é eterna – ainda hoje, ela tem o poder de nos comover.
A força mágica da antiga música para alaúde
Se nós quisermos entender a Atlantis musical encorporada na antiga arte europeia de tocar alaúde, devemos ir além das técnicas de execução e construção dos instrumentos, das várias formas de tablaturas e das regras de ornamentação. O segredo mais profundo e fundamental é a intenção musical – o mundo espiritual – subjacente às representações escritas. Uma busca por linhas mestras revela citações como a seguinte:
Um alaudista pode conseguir qualquer coisa com seu instrumento. Ele tem influência, por exemplo, sobre as formas geométricas, do quadrado ao círculo; estabelece as relações entre uma estrela e outra e determina a velocidade dos corpos que caem – tudo isso pode ser feito e milhares de outras coisas mais. (Pater Mersene, Harmonie Universelle, 1636)
Essa pretensão parece um pouco ingênua para a mente moderna. A investigação do contexto nos conduz a pensadores da época, tais como Johannes Kepler, Athanasius Kircher e Robert Fludd, que eram mentalmente familiarizados e conscientes de cada uma das outras descobertas científicas. O principal trabalho de Kepler concerne à harmonia das esferas, como descrita pelos pitagóricos. Ele mostra que estas leis são onipresentes na natureza, no universo, no ser físico e espiritual do homem e na música – referindo-se a descoberta de estruturas idênticas na geometria, astronomia, biologia, música e outros campos do conhecimento. Estruturas musicais análogas às formas geométricas (o círculo) e fenômenos astronômicos (os caminhos dos corpos celestes) podem ser representadas no alaúde, e também é possível, por meios de modulação e outros dispositivos, produzir uma analogia musical da quadratura do circulo.
Desde que, como descreve Kepler, a alma do homem entende e reage instintivamente a tais estruturas em virtude de sua natureza divina, deve ser também possível o uso dessas para transformar a consciência humana por meios alquímicos. A descrição de Thomas Mace de uma experiência de iluminação reprodutível através do correto manuseio do alaúde, provém ainda outra peça ao quebra-cabeças. (Musickes Monument, 1676).
Bruxas (witches – um termo que originalmente era aplicado a mulheres dotadas de sabedoria e versadas nas artes da medicina e do manuseio de ervas) também usavam a música para fins medicinais. Uma gravura de De Lancre (O Sabbath das bruxas, 1613) mostra um grupo de bruxas fazendo música, cuja figura central está tocando um alaúde. Seguindo as tradições ancestrais, essas mulheres sábias usavam a música, a dança e outros meios para estimular, em seus pacientes, as forças da vida. A harmonia cósmica, visivelmente refletida nas proporções físicas do homem, tem suas contrapartidas acústicas na antiga música europeia; os efeitos físicos e espirituais que eram usados para acalmar e reassegurar os pacientes, e para produzir neles estados de êxtase, terror ou felicidade.
Em O templo da música (De templo musicae, Oppenheim, 1617), de Robert Fludd, numa apresentação simbólica, feita em forma de tabela, o alaúde é representado como instrumento musical mais importante. A sutileza e as finas nuances tonais que caracterizam o alaúde e sua música indicam que a arte de sua execução era parcialmente dirigida para as práticas meditativas e mesmo mágicas. Todas as civilizações avançadas do mundo fazem menção a percepção progressivamente elevada e a estados de consciência que resultam de exercícios intensivos de meditação e contemplação. As parábolas do Zen Budismo, por exemplo, contém paralelos às ideias que são irracionais em termos de um pensamento lógico (tais como a quadratura do círculo).
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Um conto miraculoso
Monte Wutai visto do alto. |
Havia um leigo devoto de Daizhou - seu nome foi perdido - que em alguma época dentre os seus vinte anos, decidiu escalar o Monte Wutai, para cultuar [Mañjusri]. Ele esteve com um monge solitário, que em seguida o conduziu em direção ao lado oriental do pico oeste. Lá, eles estabeleceram uma moradia solitária. A construção parecia uma lar doméstico comum. Entretanto, havia dentro da residência mais de cem monges. O homem que o trouxe lá perguntou, "Você é capaz de ficar aqui para cultivar o caminho conosco?", ao que ele respondeu, "Eu sou."
O homem leigo ficou na casa por mais de meio ano. Os monges de lá viviam principalmente de ervas medicinais e bolos, que eram, às vezes, complementados com frutas e legumes. Eles viviam uma existência pura e frugal, em grande parte como os seres espirituais vivem. Eles falavam muito pouco.
Para o sul do poço, do qual eles retiravam sua água, o leigo, uma vez, descobriu um canteiro, contendo uma planta carregada de folhas com uma única haste. As folhas dela eram tão grandes quanto as da planta de lótus. Quando ele foi investigar, descobriu que ela era fácil de ser alcançada. Ele ia lá diariamente para pegar folhas, retirando tanto quanto a metade das folhas da planta em uma única jornada. Quando ele retornava, no dia seguinte, ele encontrava as folhas completamente crescidas de volta. De início, ele considerou isso muito estranho, mas, conforme o tempo passava, ele parou de prestar uma atenção particular ao fato. Juntando ervas com os monges dessa maneira, os dias e meses pareciam passar sem que fossem notados.
Finalmente, chegou o dia em que ele pediu para voltar para casa. Os monges o deixaram partir sem a menor objeção. Ele voltou para casa [em segurança], mas depois de passar apenas algumas noites lá, ele voltou correndo de volta a Wutai. As encostas das montanhas e o vale estavam exatamente como eram antes, mas não havia nenhum sinal [dos monges e suas coisas]. Ele procurou por todo lado e fez perguntas, e descobriu que aquela região tinha sempre sido serena e inabitada. O homem suspeita que [os monges] eram santos [de Wutai], e ele tem sido muito infeliz desde então. Quando eu o encontrei ele já tinha mais de setenta anos de idade.
Fonte:
ANONIMO. "A miracle tale". In: JR., Donald S. Lopez (ed.). Buddhist Scriptures. London: Penguin Books, 2004. p. 88-89.
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