quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Bach & Weiss: Encontros do alaúde em concerto


Liutho concertato
Encontros do alaúde em concerto
por Lutz Kirchhof

O que faz um gênio em seu tempo livre? Ele procura outro gênio para, com ele, encontrar algum passatempo divertido. O que fazia Johann Sebastian Bach, quando não escrevia cantatas, ensinava alunos de latim, conduzia ensaios ou era cercado por aborrecimentos dos líderes da igreja? - Ele convidava Sylvius Leopold Weiss, provavelmente o maior alaudista de todos os tempos, para uma visita.

Alguma »música extremamente refinada« deve ter sido produzida, quando os dois se encontraram. Eles teriam competido em Fantasias e Fugas, como descreve o biografo de Bach, Nikolaus Forkel. O mais surpreendente, que as testemunhas oculares e auditivas relataram, era que: nenhum superou o outro! O que significa, que Weiss podia improvisar, no alaúde, tão bem quanto Johann Sebastian Bach, no cravo - um desempenho que já para os contemporâneos parecia inimaginável.

Como deve ter soado o improviso de dois músicos tão grandes, quando isso normalmente estava fora de seus afazeres musicais e possivelmente lhes teria trazido repreensões? Como improvisava um gênio da música barroca, quando ele podia tocar livremente, apenas para sua própria satisfação?

Por muito tempo só se pôde ter uma vaga noção. Com a descoberta da procedência da trio Sonata em Lá Maior BWV 1025, isso mudou. A autenticidade dessa pequena composição de Bach foi por muito tempo questionada, pois a voz do cravo mostrava algumas características atípicas. A solução do enigma encontra-se quando se compara a parte do cravo com uma sonata solo em Lá Maior para alaúde de Sylvius Leopold Weiss. A concordância é quase completa. Algumas adaptações específicas de cada instrumento na parte do baixo e alguns compassos adicionados são as únicas diferenças na versão de Bach para cravo. A parte do cravo provém, portanto, de Weiss! A parte para violino, tomada por si só é uma composição de Bach bastante incomum, até ininteligível. O sentido musical só se torna nítido, quando a sonata para alaúde na qual está baseada soa ao mesmo tempo. Como fonte adicional há uma frase para a mão direita no cravo, que contém a futura melodia para violino.

Analisando essas circunstâncias e o modo incomum de escrever de Bach fica claro, então, que se trata de uma improvisação sobre a parte inferior de uma peça para alaúde de Weiss, que, no fundo, só poderia surgir em uma alegre noite de música na casa de Bach. As vívidas e geniais variações, ornamentações, imitações e fugas se alternavam com notas mais brandas de acompanhamento, as quais o mestre ouvia atentamente de seu grande colega alaudista. Interrupções subitamente virtuosísticas após uma fase mais longa de concerto suave permitem igualmente encerrar sobre um improviso, como a repetição de notas cômicas e com um toque de dança folclórica para o começo do Rondó ou o fechamento brilhante do Presto. 

Bach e Weiss não eram, porém, os primeiros que reconheciam a importância do alaúde como instrumento de concerto. Durante séculos, o alaúde foi um instrumento solo, que ressoava ou para a meditação solitária ou para exigentes concertos. Seu repertório é imensamente grande e existe como um próprio microcosmo dentro do tesouro da cultura ocidental.

Ocasionalmente, alaudistas renunciavam seus sonhos musicais individuais para se lançar ao alvoroço da música de conjunto. Isso podia se tornar, às vezes, algo cansativo para o ouvinte, sobretudo quando vários alaudistas se sentavam em orquestra  e tentavam, »agir como velozes corredores«, como lamenta Michael Praetorius; isso deveria ser para o ouvinte, então, »bem desconfortável e cansativo«. - Imaginemos esse comportamento com músicos de uma orquestra sinfônica moderna! Fossem os alaudistas, porém, um pouco mais cultos - finalmente tocavam um »instrumento fino e enobrecedor« (Praetorius) -, eles poderiam alcançar em conjunto um efeito especial.

No século XVI eram comuns peças para conjuntos livres. Poder-se-ia cantar a uma voz isolada ou tocar »em todo tipo de instrumentos«. Contudo, um alaúde deveria tocar junto, assim, era esperado, que um movimento especial fosse composto, que contivesse várias vozes e juntamente a »ornamentação alaudística«. Com todo tipo de »propostas artísticas contra ou a favor«, o alaudista podia, segundo Praetorius, »adicionar seu próprio tempero« à composição.

Grandes alaudistas se superavam na escritura de tais tablaturas e desenvolveram uma técnica de execução muito complicada e virtuosística. O papel especial do alaúde no conjunto dava ao instrumento um amplo espectro de possibilidades de expressão, que a acentuação rítmica, harmônica, polifônica e melódica permitia. Ao tocar junto com instrumentos melódicos surgia um ornamento transparente, que refletia um sentido altamente desenvolvido para o reino de cores musicais da época. Dessa prática de execução desenvolveu-se no século XVII o concerto para alaúde, do qual a expressão »Liutho concertato« encontra uma utilização explícita.

O »Concerto para Alaúde« era no fim do século XVII e na primeira metade do século XVIII uma forma de composição bastante apreciada. Duas vozes externas para instrumentos melódicos eram unidas por inteiro, harmônica e melodicamente em um movimento para alaúde. Inicialmente, compunha-se em estilo francês, que exigia para o alaúde um movimento atravessado, isto é, um movimento sincopado, rítmica e melodicamente bizarros. As vozes externas desses movimentos, que se diferenciavam do alaúde, eram através dos instrumentos melódicos em sua forma pura novamente dadas. 

Posteriormente, compunha-se concertos para alaúde no estilo italiano, claro e com melodias acentuadas; as vozes externas recebiam mais independência e permaneciam em uma relação polifônica de alternância com a linha "obbligato" do alaúde.

O charme especial do concerto para alaúde consiste em uma fina ação conjunta de sons dos instrumentos melódicos e do alaúde. Com suas variadas e coloridas possibilidades de formação do som, esses instrumentos alcançavam uma grande amplitude de expressão na música de câmara.Foi produzido um repertório rico e de grande valor de concertos para alaúde, que ligava elegância galante e técnica virtuosística com profundidade e intensidade musicais.

Em nossa gravação segue uma composição que também poderia ter sido ouvida na casa de Bach, o concerto em dó menor para alaúde, violino e violoncelo de Johann Kropffganss. Esse compositor e alaudista virtuoso, que do mesmo modo - junto com Sylvius Leopold Weiss - deve ter se apresentado ao Cantor da Thomaskirche, pertence a uma geração mais jovem. Ele deveria ser um tipo de »jovem selvagem« para os velhos mestres Bach e Weiss. O que ele tinha a oferecer aos dois senhores mais velhos era uma música que, inspirada pelo Sturm und Drang, já permite perceber uma vaga lembrança de Beethoven. Sobre a reação de ambos os senhores mais velhos, infelizmente, não se conhece nada.

O programa faz um salto da casa do Cantor para Viena. A composição de Karl Kohaut tem uma atmosfera bem diferente. Ela lembra a dos concertos de alaúde de Haydn. Desembaraço, galanteria e elegância marcam seu estilo. Depois de tanta profundidade e seriedade pode-se então relaxar um pouco em um salão ou um café. A vida social culta, em cujo ambiente a música surgiu, parece estar presente com seu humor, sua fina emotividade e amigável serenidade em cada peça.

Por fim, uma música dramática, cheia de sentimentos e um tanto misteriosa para ouvir. Na sonata em ré menor de Friedrich Wilhelm Rust, o sentimento dos compositores românticos parecem não estar mais tão longe. Essa música mostra uma dimensão do alaúde, que demonstra sua capacidade de adaptação e atemporalidade de um modo surpreendentemente eficaz.


NOTA: A presença de traduções sobre música antiga se deve, obviamente, ao meu interesse pelo tema, nada mais. Aproveito para divulgar o trabalho desses artistas e compositores.

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