por Prof. Dr. José Pedro Antunes
Unesp - Araraquara
Para
acompanhar a leitura de “Guerra Aérea e Literatura”, de W. G.
Sebald (Cia. das Letras, 2011), percorro algumas séries de fotos de
Berlim (abril/maio, 1945) que a revista Der Spiegel on-line
disponibiliza. Já no título de uma delas, “Berlin in Schutt und
Asche”, duas palavras do vocabulário da literatura do pós-guerra:
entulho e cinzas. Para escorar seu desconforto, esses autores,
ex-combatentes, buscaram uma zona de conforto, digamos assim, numa
sintaxe cristalizada, elegendo um modelo preferencial: o realismo do
século XIX. Sem atentar para seus equívocos de base. Ou, como quer
Peter Handke, a combater o mal com a mesma linguagem que o produziu.
Foto
1: (2 de maio, capitulação da cidade): o que restou do Reichstag.
(O número 7 da Coleção Folha Grandes Arquitetos, dedicado ao autor
do projeto, Norman Foster, traz belas fotos do edifício, hoje,
restaurado e ampliado.)
Foto
2 (abril/maio): o soldado russo observa, cruz de ferro no peito, o
corpo de um alemão que tombara em combate no centro da cidade.
Foto
3: no texto que a acompanha, um outro verbete dos debates do
pós-guerra: “Trümmer” (escombros). Daí, “Trümmerstadt”
(cidade de escombros) ou “Trümmerliteratur” (literatura de
escombros). E, claro, “Trümmerfrauen” (mulheres de escombros).
Quem já não as terá visto em fotos ou filmes americanos da época?
Em “Ilusão Perdida”, o piloto americano (Montgomery Cliff),
engajado no abastecimento do setor ocidental sitiado, se apaixona na
por uma delas. Vale lembrar que o termo “Luftbrücke” (ponte
aérea) foi cunhado para designar as operações dos pilotos
americanos, tendo se perpetuado no vocabulário da aeronáutica. Na
falta absoluta de homens em idade produtiva, mutirões de mulheres
empreenderam as tarefas da reconstrução, antecipando-se, por força
das circunstâncias, à emancipação defendida pelo feminismo
programático de duas décadas depois.
Foto
4 (anterior a 23 de maio): pessoas buscam passagem por entre os
montes de entulho que inviabilizam a Stallschreiberstrasse. De onde
terão saído e para onde seguiriam em meio à urbe devastada?
Foto
5: a Potsdammerbrücke arruinada. (A ponte que tantas vezes
atravessei em janeiro de 1994. Ali perto, a editora Langenscheidt, um
nome que rebrilha amarelo-ovo na memória afetiva do germanista
brasileiro, por conta do dicionário, que, há décadas, solitário,
heróico, lhe oferece luzes e alguns problemas com os usos
lusitanos.) Numa das pontes adiante, idêntica, Wim Wenders filmou a
sequência de “Asas do Desejo”, na qual os protagonistas, anjos,
assistem um homem à morte depois de um acidente.
Foto
6: por volta do dia 9 de maio, o Spittelmarkt ainda fumegante, a
cidade marcada pelos ataques aéreos dos aliados.
Foto
7: a história contada pelos vitoriosos. Difícil saber o que
realmente achavam ter conquistado, mas os soldados russos elegeram
como pano de fundo, para o seu júbilo viril, a Siegessäule (Coluna
da Vitória), hoje amplamente conhecida como símbolo da comunidade
gay berlinense.
Foto
8: as ruínas da Neue Reichskanzlei, símbolo de poder transformado
em símbolo da derrocada.
Fotos
9 e 10: a cidade arrasada, tal como foi vista por aqueles que, dias
depois, criaram coragem para sair dos porões e abrigos subterrâneos,
onde se amontoaram, como ratazanas acuadas, por semanas
intermináveis. Ao sair, temiam os soldados soviéticos, que, nos
dias que se seguiram, passaram a abastecê-los com alimentos.
Com
o título em alemão, acima mencionado, o leitor interessado
encontrará acesso a esta e a outras séries de fotos do período. Em
“Guerra Aérea e Literatura”, W. G. Sebald realiza a tarefa da
qual, como ele denuncia, a literatura alemã do pós-guerra terá se
mostrado incapaz: conferir materialidade à destruição total de
grande parte das cidades alemãs e revelar a exata dimensão do
horror, do ensandecimento vivido pelos sobreviventes. Assunto para
uma resenha mais adiante.
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