segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Curso de difusão do conhecimento: "Uma outra Literatura: Literatura fantástica e de fantasia dos séculos XIX e XXI"

Como projeto para o segundo semestre de 2012 decidi realizar o curso  "Uma outra Literatura:  Literatura fantástica e de fantasia dos séculos XIX e XXI", na Faculdade de Ciências e Letras - Unesp de Araraquara, que se iniciou dia 07 de agosto e termina em 13 de novembro de 2012. A proposta do curso é, em linhas gerais, mostrar que havia - ainda há - textos paralelos à literatura oficial, que possuem seu próprio valor como obra de arte. A intenção do curso não é diminuir à literatura chamada "canônica", mas sim ampliar o horizonte dos alunos em favor de textos pouco conhecidos, frequentemente deixados de lado por razões ditas didáticas ou de questão de tempo. Esse procedimento ocasiona no ensino da literatura - e até mesmo na escrita de histórias da literatura - uma distorção grosseira, fazendo crer numa predominância de um caráter realista como algo marcante, se não definidor, da Literatura Ocidental a partir de meados do século XIX. Basta ver quem são os autores canônicos do período: são aqueles que procuraram, de alguma forma, retratar o cotidiano ou, conforme dizem alguns eruditos, a "essência do humano". Ora, essa tal da "essência do humano" está presente tanto nos romances de Dostoiévski quanto na coletânea de contos dos irmãos Grimm - apenas para citar dois exemplos. A diferença é que um procurou retratar o mundo como ele via ou sentia, enquanto os irmãos recolheram um material de várias fontes que deve ser visto não como um retrato da época, mas como um reflexo de todos os desejos inerentemente humanos, desde a satisfação da fome até os devaneios com riquezas e altos postos na hierarquia social. Além disso, os contos de fadas ou a literatura fantástica e de fantasia dão vazão a outra característica que, até onde podemos saber, é particular dos seres humanos, que é a imaginação.

Assim, a Literatura Canônica ocupou-se com a representação do homem e viu-se, no século XX, forçada a reconhecer que qualquer tipo de representação que pudesse construir não passaria de uma observação particular e subjetiva de uma pessoa sobre o restante da humanidade. O resultado disso, não são mais narrativas propriamente realistas, mas narrativas com traços impressionistas ou mesmo narrativas predominantemente líricas, em que lirismo se sobressai de tal maneira que ocupa o lugar da própria narrativa, como acontece em Proust e Joyce, por exemplo.

Ao lado disso, o impulso narrativo, ou o desejo por narrativas, continuou, saltando muitas vezes para o universo da Fantasia, como é o caso de O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien. Histórias continuaram a ser contadas tanto por um viés realista, como se vê, por exemplo, em Thomas Mann, quanto pelo maravilhoso; contudo, esse último tipo de literatura nem sempre é estudado, sendo desvalorizado como subliteratura, algo inferior, infantil não digno de atenção pelos estudiosos "sérios".

A proposta do curso é encarar essa "outra literatura", questionando os pressupostos para a formação do Cânone Ocidental e trazendo ao público um olhar sobre outras obras, que mesmo sendo consideradas como "de segunda linha", são as que vêm a formar nosso imaginário contemporâneo como leitores modernos. Ora, a imaginação e o anseio pelo maravilhoso são forças produtivas em nossa época, por mais que se queira negar o fato, rebaixando autores contemporâneos, ou disfarçando esse anseio sob formas e rótulos racionalizantes (alegorizantes) que ainda insistem em manter o "realismo" como base de sustentação da literatura mais recente, algo que parece acontecer com o rótulo "Realismo Mágico", que, dependendo da abordagem, não se diferencia em nada de outro rótulo mais abrangente: "Fantasia".

O programa do curso é o que segue abaixo e o material das aulas pode ser acessado na minha página do Scribd:


CRONOGRAMA

07/08/2012 - Aula 1 - O cânone literário: um cânone realista? - Apresentação do curso. Reflexão sobre os principais dispositivos de valoração de uma obra literária, formação do cânone ocidental; raízes da crítica no Teatro, exemplo: Aristóteles e Harold Bloom (O cânone ocidental). O que é mímesis? O papel e o lugar do maravilhoso em Aristóteles. Possibilidades da linguagem: “Sobre histórias de fadas” de J. R. R. Tolkien - a visão aristotélica do autor.
Bibliografia:
ARISTÓTELES. Arte Poética. In. ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. A Poética clássica. Trad. Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1992.
BLOOM, Harold. O cânone ocidental: os livros e a escola do tempo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 1994.
TOLKIEN, J. R. R. Sobre Histórias de Fadas. Trad. Ronald Kyrmse. São Paulo: Conrad Editora, 2006.


14/08/2012 - Aula 2 - Filme: O encanto das fadas e discussão - crença: o ilusionista cético, o autor crédulo, a realidade mágica, concretização do improvável. Limites da verossimilhança entre a possibilidade e o fato. Visões do maravilhoso no cotidiano.


21/08/2012 - Aula 3 - Limites do Fantástico e maravilhoso, discussão do texto de Todorov (as definições em Introdução à literatura fantástica). “Os significados de 'Fantasia'” - cap. do C. S. Lewis, A experiência de ler.
Bibliografia:
LEWIS, C. S. A experiência de ler. Tradução e notas de Carlos Grifo Babo. Porto: Porto Editora, 2003.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo. Perspectiva, 2007.
FRYE, Northrop. Anatomia da crítica. São Paulo: Cultrix, 1973.


28/08/2012 - Aula 4 - Ocorrência do maravilhoso através do tempo - onde e como aparece o maravilhoso em textos de várias épocas (Bíblia, Antiguidade Clássica, Idade Média, Renascimento, Idade Moderna - Iluminismo - leitura de fragmentos). Definição do maravilhoso como instância literária diferenciada no século XIX - crença literária. (Texto base: O senhor do Senhor dos Anéis - trajetória histórica - e “Capítulo XIV” de Biographia Literaria de Samuel Taylor Coleridge)
Bibliografia
CARTER, Lin. O senhor do Senhor dos Anéis: o mundo de Tolkien. Trad. Alves Calado. Rio de Janeiro: Record, 2003.
COLERIDGE, S. T. Biographia Literaria. Disponível em: http://www.gutenberg.org/dirs/etext04/bioli10.txt Acesso em: 29 jun. 2010.


04/09/2012 - Aula 5 - Contos de fadas (teoria) - “Sobre histórias de fadas” - J. R. R. Tolkien, “Conto” - André Jolles, European Folk-tales - Max Lüthi.
Bibliografia:
JOLLES, André. Formas simples. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1976.
LÜTHI, Max. European Folktale: form and nature. Trad. John D. Niles. Bloomington: Indiana University Press, 1986.
TOLKIEN, J. R. R. Sobre Histórias de Fadas. Trad. Ronald Kyrmse. São Paulo: Conrad Editora, 2006.


11/09/2012 - Aula 6 - Análise de contos: O gato de botas, Rumpelstiltskin, O rapaz com pele de bode (Contos de fadas celtas).
GRIMM, Jacob e Wilhelm. Contos de Grimm. Trad. David Jardim Jr. Belo Horizonte: Villa Rica, 1994.
JACOBS, Joseph. Contos de Fadas Celtas. Trad. Inês A. Lohbauer. São Paulo Landy, 2005.
PERRAULT, Charles. Contos da Mamãe Gansa. Porto Alegre: Paraula, 1994.


18/09/2012 - Aula 7 - Contos de fadas artísticos - O pequeno Zacarias chamado Cinábrio, E. T. A. Hoffmann.
Bibliografia:
HOFFMANN, E. T. A. O pequeno Zacarias chamado Cinábrio. Trad. Karin Volobuef. São Paulo: Hedra, 2009
VOLOBUEF, Karin. “Um estudo do conto de fadas”. Revista de Letras. São Paulo (UNESP), v. 33, p. 99-114, 1993.


25/09/2012 - Aula 8 - Maravilhoso revisitado - textos antigos reescritos - “A história de Sigurd”, por Andrew Lang, in Red Fairy Book. - Comentários sobre Völsungasaga, Nibelungenlied, e a existência de outras versões reescritas por Richard Wagner, William Morris e J. R. R. Tolkien.
LANG, Andrew, The Story of Sigurd. In: ANDERSON, Douglas A. Tales Before Tolkien: The Roots of Modern Fantasy. New York: Ballantine Books, 2005.


02/10/2012 - Aula 9 - Pais da fantasia moderna: William Morris - “The folk of the mountain door”.
CARTER, Lin. O senhor do Senhor dos Anéis: o mundo de Tolkien. Trad. Alves Calado. Rio de Janeiro: Record, 2003.
MORRIS, William. The folk of the mountain door. In: ANDERSON, Douglas A. Tales Before Tolkien: The Roots of Modern Fantasy. New York: Ballantine Books, 2005.


09/10/2012 - Aula 10 - Frankenstein - Mary Shelley - ficção científica.
Bibliografia:
SHELLEY, Mary. Frankenstein. Porto Alegre: L&PM Editores, 2005.


16/10/2012 - Aula 11 - Kafka - A metamorfose - maravilhoso e crítica da realidade.
Bibliografia:
KAFKA, Franz. A Metamorfose. Trad. Modesto Carone. São Paulo: Brasiliense, 1992


23/10/2012 - Aula 12 - “Folha por Niggle” - J. R. R. Tolkien - limites da vida e da construção artística, ultrapassando os limites do humano para redespertar para a realidade. (Recuperação, Escape e Consolo)
Bibliografia:
TOLKIEN, J. R. R. Folha por Niggle. In: TOLKIEN, J. R. R. Sobre Histórias de Fadas. Trad. Ronald Kyrmse. São Paulo: Conrad Editora, 2006.

30/10/2012 - Aula 13 - Entrevista com o Vampiro - Anne Rice - O urbano e o sombrio, reflexos do humano nos seres fantásticos. Dilemas éticos e morais.
Bibliografia:
RICE, Anne. Entrevista com o Vampiro. Trad. Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.


06/11/2012 - Aula 14 - A história sem fim - Michael Ende - O poder criativo da linguagem. (Apoio teórico: Prefácio a segunda edição de Dicção Poética: um estudo do significado de Owen Barfield)
Bibliografia:
ENDE, Michael. A história sem fim. Trad Maria do Carmo Cary. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BARFIELD, Owen. Poetic Diction: A Study in Meaning. Middletown, Connecticut: Wesleyan University Press, 1973.

13/11/2012 - Aula 15 - Persistência dos contos de fadas: Contos de Beedle o Bardo - J. K. Rowling.
Bibliografia:
ROWLING. J. K. Contos de Beedle o Bardo. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.