sábado, 1 de dezembro de 2012

Curso de difusão do conhecimento: "Uma outra literatura" - Parte II

No dia 13 de novembro foi realizada a última aula do Curso de difusão do conhecimento "Uma outra literatura: literatura fantástica e de fantasia dos séculos XIX a XXI" e aqui está o resultado de todo o trabalho desenvolvido durante as 15 semanas de curso:

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A história de Sigurd - Recontada por Andrew Lang


Quando criança, Tolkien se encantava com os variados livros coloridos de contos de fadas de Andrew Lang. Agradava-lhe, especialmente, O livro de contos de fadas vermelho, pois ele continha a versão de Lang de uma das maiores histórias de dragão da literatura do norte, a de Fafnir a partir do antigo nórdico Völsunga Saga. Em 1965, Tolkien disse a um entrevistador: “Dragões sempre me atraíram como um elemento mitológico. Eles parecem ser capazes de abranger juntamente a malícia humana e a bestialidade tão extraordinariamente bem, e também uma espécie de sabedoria maliciosa e astúcia – criaturas aterrorizantes!”
“A história de Sigurd,” como contada por Andrew Lang, apareceu primeiramente em O livro de contos de fadas vermelho (1890).


[Essa é uma história muito antiga: os dinamarqueses, que costumavam lutar com os ingleses nos tempos do rei Alfred, conheciam essa história. Eles entalharam nas rochas figuras de algumas das coisas que acontecem no conto, e esses entalhes ainda podem ser vistos. Porque ela é tão velha e tão bela, a história é contada aqui novamente, mas tem um final trágico – na verdade, ela é toda trágica, e é tudo sobre lutar e matar, como poderia ser esperado dos dinamarqueses.]
Sigurd é chamado de Siegfried nos textos germânicos.


Era uma vez um Rei no Norte, que tinha vencido muitas guerras, mas agora estava velho. Apesar disso, ele tomou uma nova esposa. Então, outro Príncipe, que queria ter casado com ela, veio contra o Rei com um grande exército. O velho rei saiu e lutou bravamente, mas, por fim, sua espada quebrou-se, e ele estava ferido e seus homens fugiram. Porém, durante a noite, quando a batalha estava terminada, sua jovem esposa saiu e procurou por ele entre os mortos, e, por fim, encontrou-o, e perguntou se ele podia ser curado. Mas ele disse: “Não.” Sua sorte tinha-se ido, sua espada estava quebrada, e ele devia morrer. E ele disse a ela que ela teria um filho, e que esse filho seria um grande guerreiro, e iria vingá-lo contra o outro Rei, seu inimigo. E ele pediu a ela para guardar os pedaços da espada quebrada, para fazer uma nova espada para seu filho, e que aquela espada deveria ser chamada Gram.

Então, ele morreu. E sua esposa chamou sua criada e disse:

– Vamos trocar nossas roupas, e você deverá ser chamada pelo meu nome, e eu pelo seu, para que o inimigo não nos encontre.

Assim foi feito, e elas se esconderam numa floresta, mas lá alguns estranhos as encontraram e levaram-nas em um barco para a Dinamarca. E quando elas foram trazidas diante do Rei, ele pensou que a criada parecia-se com uma Rainha, e a Rainha com uma criada. Então, ele perguntou à Rainha:

– Como você sabe, na escuridão da noite, se as horas estão se aproximando da manhã?

E ela disse:

– Eu sei porque quando eu era mais nova, eu costumava ter que levantar e acender o fogo, e eu ainda acordo à mesma hora.

– Uma estranha Rainha para acender o fogo – pensou o Rei.

Então ele perguntou à Rainha, que estava vestida como uma criada:

– Como você sabe, na escuridão da noite, se as horas estão se aproximando do amanhecer?

– Meu pai me deu um anel de ouro – disse ela – e sempre, antes do amanhecer, ele fica mais frio em meu próprio dedo.

– Uma casa rica onde criadas usam ouro – disse o Rei. – Na verdade, você não é uma criada, mas a filha de um Rei.

Assim ele tratou-a com nobreza, e quando chegou o tempo, ela teve um filho chamado Sigurd, um menino bonito e muito forte. Ele teve um tutor para estar com ele, e uma vez o tutor pediu a ele que fosse ao Rei e lhe pedisse um cavalo.

– Escolha um cavalo para você – disse o Rei.

E Sigurd foi à floresta, e lá ele encontrou um velho homem com uma barba branca, e disse:

– Venha! Ajude-me a escolher um cavalo.

Então o velho homem disse:

– Conduza todos os cavalos para o rio, e escolha aquele que conseguir atravessar nadando.

Assim, Sigurd os conduziu, e apenas um nadou através do rio. Sigurd escolheu-o: seu nome era Grani, e ele vinha da linhagem de Sleipnir, e era o melhor cavalo do mundo. Pois Sleipnir era o cavalo de Odim, o Deus do Norte, e era rápido como o vento.

Mas um dia ou dois depois, seu tutor disse a Sigurd:

– Há um grande tesouro de ouro escondido não longe daqui, e você pode ganhá-lo.

Mas Sigurd respondeu:

– Eu tenho ouvido histórias desse tesouro, e eu sei que o dragão Fafnir o guarda, e ele é tão grande e perverso, que nenhum homem ousa chegar perto dele.

– Ele não é maior que outros dragões – disse o tutor – e se você fosse tão corajoso quanto seu pai, você não iria temê-lo.

– Eu não sou um covarde – disse Sigurd – ; porque você quer que eu lute com esse dragão?

Então seu tutor, cujo nome era Regin, contou-lhe que todo aquele grande tesouro escondido de ouro vermelho tinha, uma vez, pertencido ao seu próprio pai. E seu pai tinha três filhos – o primeiro era Fafnir, o Dragão; o seguinte era Otter, que podia se transformar em uma lontra quando quisesse; e o próximo era ele mesmo, Regin, e ele era um grande ferreiro e fazedor de espadas.

Porém, havia um anão chamado Andvari, que vivia em um lago sob uma queda d'água, e lá ele tinha escondido uma grande reserva de ouro. E, um dia, Otter estava pescando lá, e ele matou um salmão e o comeu, e estava dormindo, como uma lontra, sobre uma pedra. Então chegou alguém e jogou uma pedra na lontra e a matou, e esfolou a pele e a levou para a casa do pai de Otter. Então ele soube que seu filho estava morto, e para punir a pessoa que o tinha matado, ele disse que deveria ter a pele de Otter cheia de ouro e toda recoberta com ouro vermelho, ou as coisas iriam piorar para ele. Então a pessoa que tinha matado Otter, saiu e pegou o Anão, que possuía o tesouro e tomou-o dele.

Somente um anel foi deixado, que o Anão usava, e até mesmo esse anel foi tomado dele.

Então o pobre Anão ficou muito nervoso, e ele rogou que o outro não traria nada além de má sorte para todos os homens que pudessem possuí-lo, para sempre.

Então a pele de lontra foi enchida com outro e coberta com ouro, tudo exceto um pelo, e este foi coberto com o último anel do pobre Anão.

Mas isso não trouxe boa sorte para ninguém. Primeiro Fafnir, o dragão, matou seu próprio pai, e então se foi e se enfiou sobre o ouro, e não deixou que seu irmão tivesse nada, e nenhum homem ousava chegar perto.

Quando Sigurd ouviu a história, disse a Regin:

– Faça-me uma espada, que eu possa matar esse Dragão.
Assim, Regin fez uma espada, e Sigurd experimentou-a com um golpe em um pedaço de ferro, e a espada quebrou.

Ele fez outra espada, e Sigurd quebrou-a também.

Então Sigurd foi até sua mãe e pediu pelos pedaços quebrados da lâmina de seu pai, e deu-os a Regin. E ele martelou e forjou-os em uma nova espada, tão afiada que parecia que fogo queimava ao logo de suas bordas.

Sigurd experimentou essa espada sobre o pedaço de ferro, e ela não quebrou, mas dividiu o ferro em dois. Então ele jogou uma mecha de lã no rio, e enquanto ela flutuava rio abaixo contra a espada, ela foi cortada em duas partes. Assim, Sigurd disse que a espada servia. Mas antes que ele fosse contra o Dragão, ele conduziu um exército para lutar contra os homens que tinham matado seu pai, e ele matou seu Rei, e tomou todas as suas riquezas, e voltou para casa.

Quando ele estava em casa há poucos dias, ele cavalgou com Regin, numa manhã, para a charneca onde o Dragão costumava se deitar. Então ele viu a trilha que o Dragão fazia quando ele ia até a borda para beber, e a trilha era como se um grande rio tivesse passado por ali e deixado um vale profundo.

Então, Sigurd desceu para dentro do lugar profundo e cavou muitas covas nele, e deitou-se escondido em uma delas com sua espada em punho. Lá ele esperou, e passado pouco tempo a terra começou a tremer com o peso do Dragão, enquanto ele se rastejava para a água. E uma nuvem de veneno fluia a sua frente, enquanto ele bufava e rosnava, de modo que seria a morte ficar diante dele.

Mas Sigurd esperou até que metade dele tivesse rastejado sobre a cova, e então ele empurrou a espada Gram em cheio coração.

Então o dragão se chicoteou com sua cauda até que pedras quebraram e árvores se espatifaram sobre ele.

Então ele falou, enquanto morria, e disse:

– Qualquer que sejas tu que mataste-me, esse ouro deverá ser tua ruína, e a ruína de todos os que o possuírem.

Sigurd disse:

– Eu não tocarei em nada disso se ao perdê-lo eu não pudesse nunca morrer. Mas todos os homens morrem, e nenhum homem corajoso deixa que a morte o assuste para além de seu desejo. Morre tu, Fafnir.

E então, Fafnir morreu.

E depois disso, Sigurd foi chamado de “A Ruína de Fafnir”, e matador de dragões.

Então, Sigurd cavalgou de volta e encontrou Regin, e Regin pediu para assar o coração de Fafnir e deixar prová-lo.

Assim, Sigurd colocou o coração de Fafnir em uma estaca, e assou-o. Mas acontece que quando ele tocou o coração com seus dedos, ele o queimou. Então ele colocou os dedos na boca e, assim, provou o coração de Fafnir.

Então, imediatamente, ele entendeu a linguagem dos pássaros, e ele ouviu os pica-paus dizerem:

– É Sigurd assando o coração de Fafnir para outro, quando ele deveria saborear ele próprio e apreender toda a sabedoria.

O próximo pássaro disse:

– Lá está Regin, pronto para trair Sigurd, que confia nele.

O terceiro pássaro disse:

– Deixe-o cortar fora a cabeça de Regin, e manter todo o ouro para si mesmo.

O quarto pássaro disse:

– Deixem-no fazer isso, e então cavalgar para Hindfell, para o lugar onde Brynhild dorme.
Quando Sigurd ouviu tudo isso, e como Regin estava tramando traí-lo, ele cortou fora a cabeça de Regin com um único golpe de sua espada Gram.

Então todos os pássaros irromperam cantando:

“Conhecemos uma bela,
a donzela adormecida;
Oh, Sigurd não tenha medo
Sigurd, tu a vencerás
A Fortuna é garantida.

“Alto, sobre Hindfell
Flameja o fogo vermelho,
É lá que mora a donzela,
que bem deverá amá-lo.
Ache-a para a conquista.

“Lá ela deve dormir
até tu vir despertá-la
Levanta-te e vá já
Segura irá bem jurar
Seu voto não vai quebrar.”

Então Sigurd lembrou-se de uma história que dizia que em algum lugar, muito distante, havia uma bela dama encantada. Ela estava sob um feitiço, de modo que ela deveria dormir para sempre em um castelo rodeado por chamas flamejantes; lá ela deveria dormir para sempre até que viesse um cavaleiro que cavalgaria através do fogo e a acordaria. Para lá ele decidiu ir, mas primeiro desceu direto à horrível trilha de Fafnir. E Fafnir tinha vivido em uma caverna com portas de ferro, uma caverna cavada profundamente terra abaixo, e cheia de braceletes de ouro, e coroas, e anéis; e lá, também, Sigurd encontrou o Elmo do Terror, um elmo dourado, e qualquer que o usasse ficava invisível. Tudo isso ele amontoou nas costas de seu bom cavalo Grani, e então cavalgou para o sul, rumo a Hindfell.

Era noite e, no topo da colina, Sigurd viu um fogo vermelho ardendo em direção ao céu, e, dentro das chamas, um castelo, e uma bandeira na torre mais alta. Então ele colocou o cavalo Grani junto ao fogo, e ele saltou suavemente através das chamas, como se fosse através de uma urze. Assim, Sigurd entrou pela porta do castelo, e lá ele viu alguém dormindo, vestida toda em armadura. Então ele retirou o elmo da cabeça da dama adormecida e contemplou, ela era a mais bela das damas. E ela acordou e disse:

– Ah! É Sigurd, filho de Sigmund, que quebrou a maldição e veio aqui para enfim me acordar?

Essa maldição caiu sobre ela quando o espinho da árvore do sono entrou em sua mão há muito tempo como uma punição porque ela tinha desagradado Odim, o Deus. Há muito tempo, também, ela tinha feito o voto de nunca se casar com um homem que conheceu o medo, e não ousasse cavalgar através da cerca de chamas ardentes. Pois ela era uma donzela guerreira, e ia armada para a batalha como um homem. Mas agora, ela e Sigurd se amavam, e prometeram ser verdadeiros um com o outro, e ele deu a ela um anel, e esse era o último anel tomado do anão Andvari. Então, Sigurd cavalgou para longe e chegou a casa de um Rei, que tinha uma bela filha. Seu nome era Gudrun, e sua mãe era uma bruxa. Ora Gudrun se apaixonou por Sigurd, mas ele estava sempre falando de Brynhild, de como ela era bonita e quão querida. Então, um dia, a bruxa, mãe de Gudrun, colocou drogas de esquecimento e papoula em um copo mágico, e pediu a Sigurd que bebesse à sua saúde, e ele bebeu, e instantaneamente esqueceu a pobre Brynhild e amou Gudrun, e eles foram casados com grande júbilo.

Ora a bruxa, mãe de Gudrun, queria que seu filho Gunnar se casasse com Brynhild, e ela pediu-lhe que saísse com Sigurd e fosse cortejá-la. Assim sendo, eles cavalgaram para a casa do pai dela, pois Brynhild tinha desaparecido da mente de Sigurd por causa do vinho da bruxa, mas ela se lembrava dele e ainda o amava. Então o pai de Brynhild disse a Gunnar que ela não se casaria com ninguém a não ser com aquele que pudesse cavalgar pelas chamas em frente de sua torre encantada, e para lá ele cavalgou, e Gunnar colocou seu cavalo junto às chamas, mas ele não enfrentaria isso. Então Gunnar tentou Grani, o cavalo de Sigurd, mas ele não se moveu com Gunnar em suas costas. Então Gunnar se lembrou de um feitiço que sua mãe lhe havia ensinado, e por essa mágica ele fez Sigurd se parecer exatamente como ele mesmo, e ele se parecia exatamente como Gunnar. Então, Sigurd, na forma de Gunnar e em sua armadura, montou em Grani e Grani saltou a cerca de fogo, e Sigurd entrou e encontrou Brynhild, mas ele não se lembrava ainda, por causa da poção do esquecimento no copo de vinho da bruxa.

Agora Brynhild não tinha saída além de prometer que ela seria sua esposa, a esposa de Gunnar como ela supunha, pois Sigurd estava na forma de Gunnar, e ela tinha jurado casar com qualquer um que cavalgasse pelas chamas. E ele deu a ela um anel, e ela deu-lhe de volta o anel que ele tinha dado a ela antes, em sua própria forma de Sigurd, e esse era o último anel do pobre anão Andvari. Então ele saiu novamente, e ele e Gunnar trocaram as formas, e cada um era si mesmo novamente, e eles voltaram para a casa da Rainha Bruxa, e Sigurd deu o anel do anão para sua esposa, Gudrun. E Brynhild foi ao seu pai e disse que um Rei tinha vindo, chamado Gunnar, e cavalgado através do fogo e ela deveria se casar com ele:

– Porém, eu acho, – ela disse – que nenhum homem poderia ter realizado esse feito exceto Sigurd, a Ruína de Fafnir, que era meu verdadeiro amor. Mas ele me esqueceu, e minha promessa, eu devo manter.

Assim, Gunnar e Brynhild foram casados, embora não fosse Gunnar, mas Sigurd na forma de Gunnar, que cavalgou pelo fogo.

E quando o casamento tinha acabado e todos os festejos, então a mágica do vinho da bruxa saiu do cérebro de Sigurd, e ele se lembrou de tudo. Ele lembrou como ele libertou Brynhild do encantamento, e como ela era seu próprio verdadeiro amor, e como ele tinha esquecido e tinha se casado com outra mulher, e ganhado Brynhild para ser a esposa de um outro homem.

Mas ele era forte e não disse uma palavra disso para os outros para fazê-los infelizes. Todavia, ele não poderia manter afastado a maldição que deveria cair sobre todos que possuíssem o tesouro do anão Andvari, e seu anel de ouro fatal.

E a maldição logo recaiu sobre eles. Pois um dia, quando Brynhild e Gudrun se banhavam, Brunhild avançou longe no rio, e disse que tinha feito isso para mostrar que era superior a Gudrun. Pois seu marido, ela disse, tinha cavalgado através das chamas, quando nenhum outro ousou enfrentar isso.

Então, Gudrun ficou muito brava e disse que era Sigurd, não Gunnar, que tinha cavalgado pelas chamas, e tinha recebido de Brynhild aquele anel fatal, o anel do anão Andvari.

Então Brynhild viu o anel que Sigurd tinha dado para Gudrun, e ela soube disso e soube de tudo, e tornou-se pálida como uma mulher morta, e foi para casa. Toda aquela noite ela não falou. No dia seguinte, ela disse a Gunnar, seu marido, que ele era um covarde e um mentiroso, pois ele nunca tinha cavalgado pelas chamas, mas tinha mandado Sigurd para fazer isso por ele, e fingido que ele tinha feito aquilo ele mesmo. E ela disse que ele nunca mais a veria alegre naqueles salões, nunca beberia vinho, nunca jogaria xadrez, nunca bordaria com fios de ouro, nunca diria palavras de gentileza. Então, ela fez todos os seus bordados em pedaços e chorou alto, de modo que todos na casa a ouviam. Pois seu coração estava quebrado, e seu orgulho foi quebrado na mesma hora. Ela tinha perdido seu verdadeiro amor, Sigurd, o assassino de Fafnir, e tinha se casado com um homem que era um mentiroso.

Então, Sigurd veio e tentou confortá-la, mas ela não ouviria, e disse que desejava uma espada fincada rápida em seu coração.

– Não há muito o que esperar, – ele disse – até que a amarga espada se finque rápido em meu coração, e tu não viverás muito tempo, quando eu estiver morto. Mas, querida Brynhild, viva e seja confortada, e ame Gunnar, teu marido, e eu darei a ti todo o ouro, o tesouro do dragão Fafnir.

Brynhild disse:

– É tarde demais.

Então, Sigurd ficou tão entristecido e seu coração tão inchado em seu peito que ele estourou os anéis de aço de sua camisa de malha.

Sigurd saiu e Brynhild decidiu matá-lo. Ela misturou veneno de serpente e carne de lobo, e ofereceu-os em um prato ao irmão mais novo de seu marido, e quando ele tinha acabado de comer, ele estava louco, e ele foi ao quarto de Sigurd enquanto ele dormia e cravou-o à cama com uma espada. Mas Sigurd acordou, e pegou a espada Gram em sua mão, e atirou-a no homem, enquanto ele fugia, e a espada o cortou em dois. Assim morreu Sigurd, Ruína de Fafnir, quem nem dez homens poderiam ter matado em uma luta justa. Então, Gudrun acordou e viu-o morto, e ela gemeu alto, e Brynhild ouviu-a e riu; mas o gentil cavalo Grani deitou-se e morreu do próprio pesar. E então Brynhild caiu em choro até que seu coração quebrou-se. Assim, eles vestiram Sigurd em toda sua armadura dourada, e construíram uma grande pilha de madeira a bordo de seu barco, e à noite deitaram nele o corpo de Sigurd e o corpo de Brynhild, e o bom cavalo, Grani, e atearam fogo, e lançaram o barco. E o vento levou-o em chamas pelo mar, flamejando trevas adentro. Assim, Sigurd e Brynhild queimaram juntos, e a maldição do anão Andvari foi completada.

Fonte: LANG, Andrew, "The Story of Sigurd." In: ANDERSON, Douglas A. Tales Before Tolkien: The Roots of Modern Fantasy. New York: Ballantine Books, 2005.

NOTA: Esse texto fez parte do curso Curso de difusão do conhecimento: "Uma outra Literatura: Literatura fantástica e de fantasia dos séculos XIX e XXI".

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Curso de difusão do conhecimento: "Uma outra Literatura: Literatura fantástica e de fantasia dos séculos XIX e XXI"

Como projeto para o segundo semestre de 2012 decidi realizar o curso  "Uma outra Literatura:  Literatura fantástica e de fantasia dos séculos XIX e XXI", na Faculdade de Ciências e Letras - Unesp de Araraquara, que se iniciou dia 07 de agosto e termina em 13 de novembro de 2012. A proposta do curso é, em linhas gerais, mostrar que havia - ainda há - textos paralelos à literatura oficial, que possuem seu próprio valor como obra de arte. A intenção do curso não é diminuir à literatura chamada "canônica", mas sim ampliar o horizonte dos alunos em favor de textos pouco conhecidos, frequentemente deixados de lado por razões ditas didáticas ou de questão de tempo. Esse procedimento ocasiona no ensino da literatura - e até mesmo na escrita de histórias da literatura - uma distorção grosseira, fazendo crer numa predominância de um caráter realista como algo marcante, se não definidor, da Literatura Ocidental a partir de meados do século XIX. Basta ver quem são os autores canônicos do período: são aqueles que procuraram, de alguma forma, retratar o cotidiano ou, conforme dizem alguns eruditos, a "essência do humano". Ora, essa tal da "essência do humano" está presente tanto nos romances de Dostoiévski quanto na coletânea de contos dos irmãos Grimm - apenas para citar dois exemplos. A diferença é que um procurou retratar o mundo como ele via ou sentia, enquanto os irmãos recolheram um material de várias fontes que deve ser visto não como um retrato da época, mas como um reflexo de todos os desejos inerentemente humanos, desde a satisfação da fome até os devaneios com riquezas e altos postos na hierarquia social. Além disso, os contos de fadas ou a literatura fantástica e de fantasia dão vazão a outra característica que, até onde podemos saber, é particular dos seres humanos, que é a imaginação.

Assim, a Literatura Canônica ocupou-se com a representação do homem e viu-se, no século XX, forçada a reconhecer que qualquer tipo de representação que pudesse construir não passaria de uma observação particular e subjetiva de uma pessoa sobre o restante da humanidade. O resultado disso, não são mais narrativas propriamente realistas, mas narrativas com traços impressionistas ou mesmo narrativas predominantemente líricas, em que lirismo se sobressai de tal maneira que ocupa o lugar da própria narrativa, como acontece em Proust e Joyce, por exemplo.

Ao lado disso, o impulso narrativo, ou o desejo por narrativas, continuou, saltando muitas vezes para o universo da Fantasia, como é o caso de O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien. Histórias continuaram a ser contadas tanto por um viés realista, como se vê, por exemplo, em Thomas Mann, quanto pelo maravilhoso; contudo, esse último tipo de literatura nem sempre é estudado, sendo desvalorizado como subliteratura, algo inferior, infantil não digno de atenção pelos estudiosos "sérios".

A proposta do curso é encarar essa "outra literatura", questionando os pressupostos para a formação do Cânone Ocidental e trazendo ao público um olhar sobre outras obras, que mesmo sendo consideradas como "de segunda linha", são as que vêm a formar nosso imaginário contemporâneo como leitores modernos. Ora, a imaginação e o anseio pelo maravilhoso são forças produtivas em nossa época, por mais que se queira negar o fato, rebaixando autores contemporâneos, ou disfarçando esse anseio sob formas e rótulos racionalizantes (alegorizantes) que ainda insistem em manter o "realismo" como base de sustentação da literatura mais recente, algo que parece acontecer com o rótulo "Realismo Mágico", que, dependendo da abordagem, não se diferencia em nada de outro rótulo mais abrangente: "Fantasia".

O programa do curso é o que segue abaixo e o material das aulas pode ser acessado na minha página do Scribd:


CRONOGRAMA

07/08/2012 - Aula 1 - O cânone literário: um cânone realista? - Apresentação do curso. Reflexão sobre os principais dispositivos de valoração de uma obra literária, formação do cânone ocidental; raízes da crítica no Teatro, exemplo: Aristóteles e Harold Bloom (O cânone ocidental). O que é mímesis? O papel e o lugar do maravilhoso em Aristóteles. Possibilidades da linguagem: “Sobre histórias de fadas” de J. R. R. Tolkien - a visão aristotélica do autor.
Bibliografia:
ARISTÓTELES. Arte Poética. In. ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. A Poética clássica. Trad. Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1992.
BLOOM, Harold. O cânone ocidental: os livros e a escola do tempo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 1994.
TOLKIEN, J. R. R. Sobre Histórias de Fadas. Trad. Ronald Kyrmse. São Paulo: Conrad Editora, 2006.


14/08/2012 - Aula 2 - Filme: O encanto das fadas e discussão - crença: o ilusionista cético, o autor crédulo, a realidade mágica, concretização do improvável. Limites da verossimilhança entre a possibilidade e o fato. Visões do maravilhoso no cotidiano.


21/08/2012 - Aula 3 - Limites do Fantástico e maravilhoso, discussão do texto de Todorov (as definições em Introdução à literatura fantástica). “Os significados de 'Fantasia'” - cap. do C. S. Lewis, A experiência de ler.
Bibliografia:
LEWIS, C. S. A experiência de ler. Tradução e notas de Carlos Grifo Babo. Porto: Porto Editora, 2003.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo. Perspectiva, 2007.
FRYE, Northrop. Anatomia da crítica. São Paulo: Cultrix, 1973.


28/08/2012 - Aula 4 - Ocorrência do maravilhoso através do tempo - onde e como aparece o maravilhoso em textos de várias épocas (Bíblia, Antiguidade Clássica, Idade Média, Renascimento, Idade Moderna - Iluminismo - leitura de fragmentos). Definição do maravilhoso como instância literária diferenciada no século XIX - crença literária. (Texto base: O senhor do Senhor dos Anéis - trajetória histórica - e “Capítulo XIV” de Biographia Literaria de Samuel Taylor Coleridge)
Bibliografia
CARTER, Lin. O senhor do Senhor dos Anéis: o mundo de Tolkien. Trad. Alves Calado. Rio de Janeiro: Record, 2003.
COLERIDGE, S. T. Biographia Literaria. Disponível em: http://www.gutenberg.org/dirs/etext04/bioli10.txt Acesso em: 29 jun. 2010.


04/09/2012 - Aula 5 - Contos de fadas (teoria) - “Sobre histórias de fadas” - J. R. R. Tolkien, “Conto” - André Jolles, European Folk-tales - Max Lüthi.
Bibliografia:
JOLLES, André. Formas simples. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1976.
LÜTHI, Max. European Folktale: form and nature. Trad. John D. Niles. Bloomington: Indiana University Press, 1986.
TOLKIEN, J. R. R. Sobre Histórias de Fadas. Trad. Ronald Kyrmse. São Paulo: Conrad Editora, 2006.


11/09/2012 - Aula 6 - Análise de contos: O gato de botas, Rumpelstiltskin, O rapaz com pele de bode (Contos de fadas celtas).
GRIMM, Jacob e Wilhelm. Contos de Grimm. Trad. David Jardim Jr. Belo Horizonte: Villa Rica, 1994.
JACOBS, Joseph. Contos de Fadas Celtas. Trad. Inês A. Lohbauer. São Paulo Landy, 2005.
PERRAULT, Charles. Contos da Mamãe Gansa. Porto Alegre: Paraula, 1994.


18/09/2012 - Aula 7 - Contos de fadas artísticos - O pequeno Zacarias chamado Cinábrio, E. T. A. Hoffmann.
Bibliografia:
HOFFMANN, E. T. A. O pequeno Zacarias chamado Cinábrio. Trad. Karin Volobuef. São Paulo: Hedra, 2009
VOLOBUEF, Karin. “Um estudo do conto de fadas”. Revista de Letras. São Paulo (UNESP), v. 33, p. 99-114, 1993.


25/09/2012 - Aula 8 - Maravilhoso revisitado - textos antigos reescritos - “A história de Sigurd”, por Andrew Lang, in Red Fairy Book. - Comentários sobre Völsungasaga, Nibelungenlied, e a existência de outras versões reescritas por Richard Wagner, William Morris e J. R. R. Tolkien.
LANG, Andrew, The Story of Sigurd. In: ANDERSON, Douglas A. Tales Before Tolkien: The Roots of Modern Fantasy. New York: Ballantine Books, 2005.


02/10/2012 - Aula 9 - Pais da fantasia moderna: William Morris - “The folk of the mountain door”.
CARTER, Lin. O senhor do Senhor dos Anéis: o mundo de Tolkien. Trad. Alves Calado. Rio de Janeiro: Record, 2003.
MORRIS, William. The folk of the mountain door. In: ANDERSON, Douglas A. Tales Before Tolkien: The Roots of Modern Fantasy. New York: Ballantine Books, 2005.


09/10/2012 - Aula 10 - Frankenstein - Mary Shelley - ficção científica.
Bibliografia:
SHELLEY, Mary. Frankenstein. Porto Alegre: L&PM Editores, 2005.


16/10/2012 - Aula 11 - Kafka - A metamorfose - maravilhoso e crítica da realidade.
Bibliografia:
KAFKA, Franz. A Metamorfose. Trad. Modesto Carone. São Paulo: Brasiliense, 1992


23/10/2012 - Aula 12 - “Folha por Niggle” - J. R. R. Tolkien - limites da vida e da construção artística, ultrapassando os limites do humano para redespertar para a realidade. (Recuperação, Escape e Consolo)
Bibliografia:
TOLKIEN, J. R. R. Folha por Niggle. In: TOLKIEN, J. R. R. Sobre Histórias de Fadas. Trad. Ronald Kyrmse. São Paulo: Conrad Editora, 2006.

30/10/2012 - Aula 13 - Entrevista com o Vampiro - Anne Rice - O urbano e o sombrio, reflexos do humano nos seres fantásticos. Dilemas éticos e morais.
Bibliografia:
RICE, Anne. Entrevista com o Vampiro. Trad. Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.


06/11/2012 - Aula 14 - A história sem fim - Michael Ende - O poder criativo da linguagem. (Apoio teórico: Prefácio a segunda edição de Dicção Poética: um estudo do significado de Owen Barfield)
Bibliografia:
ENDE, Michael. A história sem fim. Trad Maria do Carmo Cary. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BARFIELD, Owen. Poetic Diction: A Study in Meaning. Middletown, Connecticut: Wesleyan University Press, 1973.

13/11/2012 - Aula 15 - Persistência dos contos de fadas: Contos de Beedle o Bardo - J. K. Rowling.
Bibliografia:
ROWLING. J. K. Contos de Beedle o Bardo. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Franz Kafka


Franz Kafka (1883 - 1924) é reconhecidamente um dos maiores autores de língua alemã. Dentre seus textos mais conhecidos está A metamorfose (Die Verwandlung - 1915), em que o protagonista Gregor Samsa acorda, em um determinado dia, transformado em um inseto gigante. Seus textos, que incursionam por elementos fantásticos e maravilhosos, são geralmente interpretados como uma crítica à sua época, seus costumes e sua burocracia; mas há também quem os leia de modo cômico. Os textos apresentados abaixo foram retirados do maravilhoso sítio Zeno.org e se encontram entre os últimos escritos do autor.

Kleine Fabel
»Ach«, sagte die Maus, »die Welt wird enger mit jedem Tag. Zuerst war sie so breit, daß ich Angst hatte, ich lief weiter und war glücklich, daß ich endlich rechts und links in der Ferne Mauern sah, aber diese langen Mauern eilen so schnell aufeinander zu, daß ich schon im letzten Zimmer bin, und dort im Winkel steht die Falle, in die ich laufe.« – »Du mußt nur die Laufrichtung ändern«, sagte die Katze und fraß sie. 




Pequena Fábula
    - Ah - disse o rato -, o mundo se torna mais estreito a cada dia. Primeiro ele era tão grande, que eu tinha medo, corria continuamente e era feliz quando eu finalmente via à esquerda e à direita aquelas paredes distantes. Mas essas paredes compridas se apressaram tanto umas contra as outras, que eu já estou no último cômodo e lá no canto está a armadilha, para a qual eu corro.
   - Você tem apenas que mudar a direção da corrida - disse o gato e o devorou.

***

Von den Gleichnissen 
Viele beklagen sich, daß die Worte der Weisen immer wieder nur Gleichnisse seien, aber unverwendbar im täglichen Leben, und nur dieses allein haben wir. Wenn der Weise sagt: »Gehe hinüber«, so meint er nicht, daß man auf die andere Seite hinübergehen solle, was man immerhin noch leisten könnte, wenn das Ergebnis des Weges wert wäre, sondern er meint irgendein sagenhaftes Drüben, etwas, das wir nicht kennen, das auch von ihm nicht näher zu bezeichnen ist und das uns also hier gar nichts helfen kann. Alle diese Gleichnisse wollen eigentlich nur sagen, daß das Unfaßbare unfaßbar ist, und das haben wir gewußt. Aber das, womit wir uns jeden Tag abmühen, sind andere Dinge. 
Darauf sagte einer: »Warum wehrt ihr euch? Würdet ihr den Gleichnissen folgen, dann wäret ihr selbst Gleichnisse geworden und damit schon der täglichen Mühe frei.« 
Ein anderer sagte: »Ich wette, daß auch das ein Gleichnis ist.« Der erste sagte: »Du hast gewonnen.« 
Der zweite sagte: »Aber leider nur im Gleichnis.« 
Der erste sagte: »Nein, in Wirklichkeit; im Gleichnis hast du verloren.«


Das Parábolas
    Muitos se queixam, que as palavras dos sábios sempre são apenas parábolas, mas inaplicáveis na vida do dia-a-dia, e só as temos sozinhas. Quando o sábio diz: "Suba", então ele não pensa que se deva ir para  cima, o que afinal se poderia realizar sempre, quando o resultado do caminho fosse valioso, ao invés, ele pensa em algo fabuloso lá em cima, algo que nós não conhecemos, que também não é mais fácil de descrever para ele e que nós aqui, portanto, não podemos ajudar em nada. Todas essas parábolas querem apenas dizer, na verdade, que o incompreensível, incompreensível é, e isso nós já sabemos. Mas aquilo, para o que nós nos esforçamos todo dia, são outras coisas.
   Sobre isso um diz: "Por que vocês lutam? Se seguissem as parábolas, então seriam vocês mesmos transformados em parábolas e com isso já seriam livres do esforço diário."
     Um outro disse: "Eu aposto, que isso também é uma parábola." O primeiro disse: "Você venceu."
     O segundo disse: "Mas infelizmente, apenas na parábola."
     O primeiro disse: "Não, na realidade; na parábola você perdeu."

segunda-feira, 16 de abril de 2012

O que precisa ser dito - Günter Grass


Saiu como notícia na Deutsche Welle um certo "incômodo" - para abusar do eufemismo - provocado pelo poema Was gesagt werden muss, publicado no jornal Süddeutsche, que tematiza a tensão entre Israel e Irã, bem como o fato de que a Alemanha tem fornecido armas para Israel. Segue minha tentativa de tradução do poema, publicado em 4 de abril de 2012:

O que precisa ser dito

Por que silencio, oculto por tanto tempo,
o que está aberto e sobre o tabuleiro
é ensaiado e em cujo fim, quando sobreviventes
seremos apenas notas ao fim da página.

É o direito declarado sobre a primeira jogada,
que subjugaria com um grito
e a um organizado júbilo poderia
varrer o curvado povo iraniano,
porque nesse ramo de poder supõe-se
a construção de uma bomba atômica.

Mas por que me proíbo,
de nomear aquela outra terra,
na qual há anos - embora secretamente -
um crescente potencial nuclear dispõe-se
tão fora de controle, pois nenhuma prova
acessível está ?

O silêncio geral sobre esses fatos,
aos quais meu silêncio se colocava,
sinto como uma pesada mentira
e constrangimento, que coloca a punição à vista
tão logo dele se distraia;
o veredito "anti-semitismo" é familiar.

Mas agora, porque da minha terra,
que do mais antigo e próprio delito,
com o qual nada se compara,
vez por vez obtido e sob encomenda pedido,
sempre por puro negócio, apesar de
lábios rápidos declararem como reparação,
que um outro submarino para Israel
deva ser entregado, cuja especialidade
consiste em poder lançar lá
devastadoras ogivas, onde a existência
não confirmada de uma única bomba atômica,
mas que se quer ter receio da confirmação,
digo eu, o que precisa ser dito.

Mas por que silenciei até agora?
Porque eu pensei que minha origem,
afligida por máculas incorrigíveis,
proibia exigir esses fatos como pronunciada verdade,
à terra de Israel, a qual sou ligado
e quero permanecer.


Por que digo só agora,
envelhecido e com as últimas tintas:
O poder atômico de Israel arrisca
a já frágil paz mundial?
Porque precisa ser dito,
o que amanhã já pode ser tarde demais;
também porque nós - como alemães suficiente acusados -
poderíamos tornarmos fornecedores de um crime,
que é previsível, porque nossa cumplicidade
através de nenhuma das desculpas habituais
seria corrigida.


E reconhecido: não silencio mais,
porque eu da hipocrisia do Ocidente
exausto estou; ainda espera-se,
possam muitos se libertar do silêncio,
o causador de reconhecível perigo
convidar à renuncia da violência e
da mesma forma insistir,
que um controle desimpedido e permanente
do poder atômico israelense
e das localizações atômicas iranianas
através de uma instância internacional
ser permitida pelos governos das duas terras.


Esse é o único modo de ajuda a todos, 
israelenses e palestinos,
ainda mais, todas as pessoas, que vivem 
nessa região ocupada pelo delírio
de lado a lado tornada hostil
e, finalmente, também para nós.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Dicção Poética: um estudo sobre o significado por Owen Barfield

Comecei esses dias a tradução de Poetic Diction: A Study in Meaning de Owen Barfield, frequentador eventual do grupo dos Inklings e cujas ideias eram manifestadamente admiradas por ninguém menos que J. R. R. Tolkien. O livro é dedicado à C. S. Lewis que era, na verdade, a figura carismática em torno da qual se reunia o grupo. A obra de Barfield, além dos estudos sobre o significado e da dicção poética, também se volta à origem da linguagem e conta com estudos sobre autores específicos. Que eu saiba, não há nenhuma obra dele traduzida para o português, aliás, as únicas contribuições teóricas dos Inklings - que, aliás, seriam valiosíssimas em nosso meio acadêmico - traduzidas para o português no Brasil é o ensaio "Sobre Histórias de Fadas" de J. R. R. Tolkien e o breve ensaio "Três maneiras de escrever para crianças" de C. S. Lewis. Há ainda uma obra muito interessante intitulada A Experiência de Ler, também de C. S. Lewis, traduzida em Portugal. O que segue é o prefácio à edição estadunidense de Poetic Diction, escrita por Howard Nemerov. Se tudo der certo, pretendo terminar a tradução  do livro todo até o final do semestre. A referência completa do livro, aos interessados é:


BARFIELD, Owen. Poetic Diction: a study in meaning. Middletown: Wesleyan University Press, 1973. 

***

PREFÁCIO
Esse livro surgiu na Inglaterra pela primeira vez em 1928 e lá foi reeditado em 1952, com a adição de um novo prefácio (aqui incluído), que ajudou a especificar a aplicação do argumento de seu autor às visões sobre o assunto, que naquele intervalo se tornaram mais explícitas, mais brutais, e mais impensavelmente aceitas por acadêmicos e leigos simpatizantes do que tinha previamente parecido possível.

Entre os poucos poetas e professores do meu conhecimento que conhecem Dicção Poética, ele tem sido valorizado não apenas como um livro secreto, mas quase como um livro sagrado; com um certo sentimento de que seus ensinamentos são muito apropriadamente esotéricos, não como posse de uns poucos esnobes, mas como algo que poderia facilmente falhar em ser entendido, até mesmo pelos mais estudados daqueles tolos cujas bocas se derramariam continuamente, mas cujos ouvidos só serviriam para propósitos próprios.

Não é para o prefaciador antecipar os argumentos do livro, os quais o leitor, talvez, já deve estar aprendendo de primeira mão, abandonando-me em favor de Barfield; talvez o único prefácio valioso seria um tal como eu vi em um manual de Budismo: ele disse, em verdade, se você já leu esse tanto, jogue o livro fora, ele não é para você. Mas pode ser apropriado introduzir à edição estadunidense do livro de Owen Barfield algumas reflexões sobre seu assunto, e sobre a situação dessa questão atualmente.

Parece que há dois meios principais de tomar a dicção poética como objeto de estudo. O primeiro deles é uma matéria técnica, pertencente à arte da poesia ou, mais especificamente, ao artesanato da poesia, portanto, de interesse somente aos poetas, talvez especialmente aos jovens poetas, que aprendem de acordo com suas naturezas uma certa ousadia ou um certo melindre, pertencentes ao que é possível e o que é proibido na arte, quando eles primeiro começam a praticá-la. No presente, por exemplo, o poeta em seu personagem de pescador não permitirá a si mesmo falar de peixes como “presa com barbatanas.” Ele se sentiria bobo se o fizesse, e muito apropriadamente; ele seria bobo se o fizesse.

Mas até mesmo nesse primeiro estágio, uma pequena reflexão pode levá-lo a perguntar a si mesmo, por quê, se “a presa com barbatanas” é agora impossível, proibida, fora de moda, poderia ela já ter estado em voga? Como ela poderia já ter parecido conveniente, apropriada e – em uma palavra que levanta de uma vez ainda mais questões que podem ser respondidas – natural, a qualquer poeta?

Se o poeta possui uma disposição reflexiva e inquiridora – não há garantia de que isso é poeticamente uma boa coisa para ele – ele sente muito cedo que uma questão desse tipo, se a perseguir, leva-lo-á para lugares muito estranhos e até mesmo perigosos. “Pois,” ele pode dizer para si próprio, “aqui é minha linguagem, que, todo esse tempo, eu só estive usando como se – como se – como se o quê? Por que, como se isso fosse natural, como se as palavras realmente dissessem respeito às coisas, como se as palavras fossem realmente as “almas” das coisas, suas essências ou logos, e não, de qualquer forma, os meros rótulos convencionais como elas tão frequentemente são ditas ser.

Nesse ponto, o primeiro modo de considerar a dicção poética, como um estudo da técnica, vai além em um segundo, onde o assunto se torna psicológico, metafísico, e extremamente problemático. Aqui o poeta, especialmente se ele ainda é jovem, pode achar melhor abandonar as inquirições em favor de escrever poemas, enquanto ele ainda é capaz, concordando com algo que Barfield diz em outra passagem: “O fato que o significado das palavras mudam, não somente de era para era, mas de contexto para contexto, é certamente interessante; mas é interessante apenas por que é um incômodo.”

Mas, quando o poeta é mais velho, se ele continuou a escrever, é pelo menos provável que ele irá alcançar um ponto, ou um ponto de parada ou um ponto de virada, no qual ele acha necessário inquirir sobre o sentido do que ele vem fazendo, e agora a questão da dicção poética se torna para ele de extrema importância, não menos que a questão da percepção primária, da própria imaginação, de como o pensamento sempre emergiu (se ele o fez) de um mundo de coisas. Há alguma evidência que poetas alcançando esse ponto – eu penso, por exemplo, em Yeats, Valéry, Stevens – podem sentir agudamente seu desejo por um treinamento filosófico formal, de modo que eles abandonem a própria poesia em favor desse estudo. E ainda parece que seu desejo por treinamento formal pode não ser completamente uma desvantagem, de modo que qualquer consideração que eles possam expressar sobre o assunto terá, talvez, algo da ironia de Sócrates, que apresenta suas próprias reflexões sobre os nomes e as naturezas dizendo, “Se eu não tivesse sido pobre, eu poderia ter ouvido o curso de cinquenta dracmas do grande Pródico1, que é uma educação completa em gramática e linguagem – essas são suas próprias palavras – e então eu deveria ter sido capaz de responder de uma só vez sua pergunta sobre a correção dos nomes. Mas, na verdade, eu ouvi somente o curso de um dracma, e portanto eu não sei a verdade sobre tais assuntos.” (Cratylus, 384b).


Esse desenvolvimento da questão da dicção poética no poeta individual, como se fosse um exercício básico sobre questões de vida e morte, mostra uma correspondência estranha e sugestiva como uma parte do curso de poesia em Inglês. Pode-se dizer que na juventude de nossa poesia a imaginação era misteriosa, mas não problemática, enquanto, posteriormente, por volta da época da Revolução Francesa, a problemática da natureza da imaginação, a produção explícita de seu mistério, começou a ser a principal preocupação de poetas e até mesmo assunto de suas meditações poéticas; por exemplo, The Prelude, um poema sobre escrever poesia, Milton de Blake ou seu Jerusalem e Grecian Urn Ode de Keats.

No tempo de Shakespeare, como Rosemond Tuve nos ensinou (Elizabethan and Metaphysical Imagery), a dicção poética era raramente distinguida como uma questão em si, mas pertencia ao estudo da retórica, a produção de tropos e distinção de figuras, e era aprendida tanto por poetas, quanto por outros homens, de mestres-escola e na escola de gramática. Conscientemente, analisando os expedientes da fala, o estudante aprendia as receitas apropriadas à produção de efeitos particulares, de grandeza, violência, doçura, ou qualquer outra coisa. O firme senso comum de propósito é encantadoramente representado por Ben Jonson: Ingenium, “um talento natural e uma natureza Poética em primeiro lugar,” é realmente o primeiro requisito de um poeta, mas todo o resto tem a ver com o domínio consciente da técnica. Exercitatio é um: “Se ele tem sucesso ou não, não lance fora ainda o Quills, nem rabisque o Wainescott, não castigue o pobre Deske, mas traga tudo para a forja, e apresente novamente; torneie-os novamente. Nenhum estatuto de lei do reino ordena você um poeta contra sua vontade; ou o primeiro soldado. Se isso vem, em um ano ou dois, está bom.” Imitatio é outro: “ser capaz de converter a matéria ou Riqueza de outro Poeta para seu próprio uso.” E finalmente está Lectio, “exatidão de estudo e multiplicidade de leitura. … sozinhos não o capacitam a conhecer a História ou o Argumento de um Poema e a descrevê-lo, mas assim dominar a matéria e Estilo, como para manifestar que ele sabe como lidar, colocar, dispor de qualquer coisa com Elegância quando necessário.”

A distância imensa dessa postura para as atitudes mais modernas no estudo da poesia é tão impressionante quanto óbvia; quando Jonson acrescenta que um homem não deve pensar em se tornar um poeta “sonhando que ele tinha estado no Parnaso, ou tendo lavado seus lábios, como eles dizem, em Helicon2,” o estudante moderno pode pensar com um proveitoso encantamento desse alerta em relação a, digamos, Shelley, Baudelaire, Verhaeren, Rilke, e assim por diante.

Nos séculos XVII e XVIII, pareceria que a prosa e a poesia, que tinham sido anteriormente muito próximas em sua escolha de linguagem, estava decisivamente diferenciada uma da outra, e gradualmente surgia um tipo de linguagem especial para a poesia e não admissível na prosa, exceto nas ocasiões mais exaltadas. Essa linguagem dá, historicamente, seu primeiro sentido separável à expressão “dicção poética”. E, por um longo tempo, foi assumido que esse estado de coisas é natural, necessário e razoável; nem os poetas inquiriram muito, porque isso deveria ser assim e não de outro jeito. Quando Pope escreve, “Nós reconhecemos Homero o pai da dicção poética, o primeiro que ensinou aquela linguagem dos Deuses aos homens” (grifos dele), a segunda condição não aparece para ele, embora ela o faça para nós, como exigindo elaboração. Só quando os primeiros historiadores modernos fingiram forçosamente que as pessoas que eles estudavam tinham subitamente aparecido de lugar nenhum e começado a ser “históricas,” então Pope sensivelmente assume que não há razão em fitar a escuridão contida naquela frase sobre a linguagem dos Deuses, e decide, em vez disso, olhar para a dicção de Homero, a qual é algo que ele pode ver.

Mas pode ser que a coisa verdadeiramente “moderna” sobre a era moderna, os séculos XIX e XX, seu traço realmente característico, é o interesse nos inícios, na origem, na etiologia: quando tentamos dizer que algo é – testemunha Darwin, por exemplo, e Freud – nosso modo de fazê-lo é retroceder e falar sobre como algo se tornou do jeito que parece agora. Ou poderia ser dito que com o afastamento da hipótese dos primeiros capítulos do Gênesis, outra mitologia teria que ser suprida, uma mitologia na moderna linguagem científica, apenas para preencher o que começou a aparecer tão escuro às beiras do abismo do tempo.

A grande mudança de consciência, ou autoconsciência, do mundo ocidental que é normalmente datada a partir da Revolução Francesa aparece simultaneamente em literaturas como a do movimento Romântico, ou revoltas; e essa revolta tem por início e fim muito a ver com a dicção poética, no sentido primeiro, ou técnico; é uma revolta contra uma linguagem convencional que precipitou-se para fora das convenções de sentimento e crença. Para Wordsworth, escrevendo em 1800, o termo em si mesmo é uma espécie de insulto: “Também será encontrado nessas peças pouco do que é normalmente chamado de dicção poética; eu sofri muitas dores para evitar isso como outros geralmente sofrem para produzí-la.”

Mas pertence ao entendimento do Romantismo, que você não pode se rebelar meramente contra as técnicas, ou habilidades, parte da poesia, sem se rebelar também contra algo mais profundo e que diz respeito mais genericamente ao humano, a crença sobre o mundo e o lugar da espécie humana no mundo que produziu convenções técnicas que você acha intoleráveis; e essa rebelião, se completamente perseguida, envolve o rebelde fazendo seu próprio mito de criação, sua própria história de como as coisas se tornaram como elas são.

Em um apêndice às suas “Observações Prefixadas à Segunda Edição das Baladas Líricas,” Wordsworth discorre sobre o assunto da dicção poética e seu modo de fazê-lo o leva de volta às primeiras coisas: “Os poetas mais antigos de todas as nações geralmente escreveram com paixão excitada por eventos reais; eles escreviam naturalmente, e como homens: sentindo, enquanto o faziam, que sua linguagem era ousada e figurada.” William Blake, uns poucos anos antes, testemunha de um modo similar: “Os antigos poetas animaram todos os objetos sensíveis com Deuses ou gênios, chamando-os por nomes e adornando-os com as características das florestas, dos rios, das montanhas, dos lagos, das cidades, das nações, e seus sentidos aguçados e numerosos poderiam perceber qualquer coisa.” Um de seus exemplos é Isaías, que é obrigado a falar sobre a visão divina, “Eu não vi nenhum Deus, nem ouvi nada, em uma percepção finita e orgânica; mas meus sentidos descobriram o infinito em todas as coisas. ...”

Sobre esses primeiros e antigos poetas, Barfield tem muito a dizer, o que eu não devo antecipar; é suficiente para chegar a minha presente conclusão, se eu acrescentar que a imitação intelectualizada subsequente da suposta prática dos supostos poetas antigos produz, para Wordsworth, a corrupção da linguagem que se entende por “dicção poética”; e, para Blake, a abstração sistemática, o sacerdócio, o cientificismo, a perda do que é bom da imaginação.

Para os grandes Românticos, então, a dicção poética se torna um assunto de primeira importância, porque além de seus esforços para reformar sua dicção altamente especializada e retroceder, em vez disso, à “natureza”, surge a questão mais profunda da extensão do papel da imaginação como criador do mundo visível e sensível. Para Blake, essa extensão é total: Imaginação é a Salvação. Para Wordsworth, a relação era mais experimental e de equilíbrio, na qual o mundo e o pensamento são mutuamente ajustados um ao outro, uma solução sobre a qual Blake escreveu: “Você não deve me derrubar para acreditar em tal ajustamento e ajustado. Eu conheço melhor e me agrada sua maestria.” Pois ambos, e para seus grandes contemporâneos, a primazia da imaginação era um ponto de considerável ansiedade, demais, porque a visão oposta, a visão de um universo independente e de coisas fatalmente se movendo, a visão nomeada por Alfred North Whitehead como “materialismo científico,” era evidentemente triunfante em impor suas reivindicações sobre as mentes em geral da Europa e da América.

Essa visão continuou triunfante, embora questões perturbadoras sobre suas fundações sejam sempre mais persistentemente levantadas. E na situação da poesia no presente, nos Estados Unidos, aparece como se um surto após outro de “modernismo”, o qual se considera especificamente como anti-romântico, atualmente revela que não é nada além de outra variação em aspectos superficiais do movimento Romântico, enquanto algo submerso e inacabado sobre aquele movimento continua em larga medida intocado. Poesia e crítica, com umas poucas e honrosas exceções, ou desconsideram a questão levantada sobre a imaginação, ou então parecem assumir implicitamente, sem dizer muito, alguma resolução positivista ou behaviorista ou mecanicista sobre isso, e um resultado em particular é aparente: a poesia fascinada pelo falso realismo da razão, encantada pelo mero pitoresco, imposto sobre, Blake teria dito, pela fantasia de um anjo, cujos trabalhos são apenas Analíticos, e assim prevenido, a despeito de todos os clamores e manifestações, de sonhar profundamente ou outra coisa além do sonho comum.

É para o estudante que deseja abrir essa questão da imaginação novamente, para uma sincera exploração, que o livro de Owen Barfield é dirigido.

Howard Nemerov


1Pródico de Ceos, filósofo grego pertencente ao primeiro período sofista, destacava-se nas áreas de retórica, ética e gramática. (N. do T.)
2Rio da Macedônia. (N. do T.)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A música como língua comum - Arthur Schopenhauer

Quem souber a autoria da caricatura, por favor, avise-me!
Para quem visita esse blog, está muito claro o meu gosto pela música. Agora, decidi traduzir um texto de outro declarado apreciador da arte dos sons, o filósofo Arthur Schopenhauer (1788 - 1860), que, contra o pensamento estético de Hegel - muito forte em alguns lugares também aqui no Brasil -, que via na poesia a mais elevada das artes, pensava a música como uma forma de conhecimento e como a mais elevada das artes - por isso a discórdia ao fim do texto. Não encontrei esse texto em nenhuma biblioteca virtual, por isso o transcrevo abaixo, seguido da tradução. Ele foi retirado de um livro sobre música chamado Lust an der Musik (O Prazer da música), que me foi dado de presente pela minha amiga Elis Piera Rosa - Obrigado, Elis!




Musik als allgemeine Sprache

Die Musik ist die wahre allgemeine Sprache, die man überall versteht: daher wird sie in allen Ländern und durch alle Jahrhunderte, mit großem Ernst und Eifer, unaufhörlich geredet, und macht eine bedeutsame, vielsagende Melodie gar bald ihren Weg um das ganze Erdenrund; während eine sinnarme und nichtssagende gleich verhallt und erstirbt; welches beweiset, daß der Inhalt der Melodie ein sehr wohl verständlicher ist. Jedoch redet sie nicht von Dingen, sondern von lauter Wohl und Wehe, als welche die alleinigen Realitäten für den Willen sind: darum spricht sie so sehr zum Herzen, während sie dem Kopfe unmittelbar nichts zu sagen hat und es ein Mißbrauch ist, wenn man ihr dies zumutet, wie in aller malenden Musik geschieht, welche daher, ein für allemal, verwerflich ist; wenngleich Haydn und Beethoven sich zu ihr verirrt haben: Mozart und Rossini haben es, meines Wissens, nie getan. Denn ein anderes ist Ausdruck der Leidenschaften, ein anderes Malerei der Dinge.

Auch die Grammatik jener allgemeinen Sprache ist aufs Genaueste reguliert worden; wiewohl erst seitdem Rameau den Grund dazu gelegt hatte. Hingegen das Lexikon, ich meine die, laut Obigem, nicht zu bezweifelnde, wichtige Bedeutung des Inhalts derselben, zu enträtseln, d. h. der Vernunft, wenn auch nur um allgemeinen, faßlich zu machen, was es sei, das die Musik, in Melodie und Harmonie, besagt, und wovon sie rede, dies hat man, bis ich es unternahm, nicht einmal ernstlich versucht; – welches, wie so vieles andere, beweist, wie wenig überhaupt zur Reflexion und zum Nachdenken geneigt die Menschen sind, mit welcher Besinnungslosigkeit vielmehr sie dahinleben. Überall ist ihre Absicht, nur zu genießen und zwar mit möglichst geringem Aufwande von Gedanken. Ihre Natur bringt es so mit sich. Daher kommt es so possenhaft heraus, wenn sie vermeinen, die Philosophen spielen zu müssen; wie an unsern Philosophieprofessoren, ihren vortrefflichen Werken und der Aufrichtigkeit ihres Eifers für Philosophie und Wahrheit zu sehn ist.


Allgemein und zugleich populär redend kann man den Ausspruch wagen: die Musik überhaupt ist die Melodie, zu der die Welt der Text ist. Den eigentlichen Sinn desselben aber erhält man allein durch meine Auslegung der Musik.

Nun aber das Verhältnis der Tonkunst zu dem ihr jedesmal aufgelegten bestimmten Äußerlichen, wie Text, Aktion, Marsch, Tanz, geistliche, oder weltliche Feierlichkeit usw. ist analog dem Verhältnis der Architektur als bloß schöner, d. h. auf rein ästhetische Zwecke gerichteter Kunst zu den wirklichen Bauwerken, die sie zu errichten hat, mit deren nützlichen, ihr selbst fremden Zwecken sie daher die ihr eigenen zu vereinigen suchen muß, indem sie diese under den Bedingungen, die jene stellen, doch durchsetzt, und demnach einen Tempel, Palast, Zeughaus, Schauspielhaus usw. so hervorbringt, daß es sowohl an sich schön, als auch seinem Zwecke angemessen sei und sogar diesen, durch seinen ästhetischen Charakter, selbst ankündige. In analoger also, wiewohl nicht ebenso unvermeidlicher Dienstbarkeit steht die Musik zum Text, oder den sonstigen, ihr aufgelegten Realitäten. Sie muß zunächst dem Text sich fügen, obwohl sie seiner keineswegs bedarf, ja, ohne ihn, sich viel freier bewegt: sie muß aber nicht nur jede Note seiner Wortlänge und seinem Wortsinn anpassen; sondern auch durchweg eine gewisse Homogeneität mit ihm annehmen und ebenso auch den Charakter der übrigen, ihr etwan gesetzten, willkürlichen Zwecke tragen und demnach Kirchen-, Opern-, Militär-, Tanz-Musik u. dgl. m. sein. Das alles aber ist ihrem Wesen so fremd, wie der rein ästhetischen Baukunst die menschlichen Nützlichkeitszwecke, denen also beide sich zu bequemen und ihre selbsteinigen den ihnen fremden Zwecken unterzuordnen haben. Der Baukunst ist dies fast immer unvermeidlich; der Musik nicht also: sie bewegt sich frei im Konzerte, in der Sonate und vor allem in der Symphonie, ihrem schönsten Tummelplatz, auf welchem sie ihre Saturnalien feiert.

Ebenso nun ferner ist der Abweg, auf welchem sich unsere Musik befindet, dem analog, auf welchen die römische Architektur unter den spätern Kaisern geraten war, wo nämlich die Überladung mit Verzierungen die wesentlichen, einfachen Verhältnisse teils verstecke, teils sogar verrückte: sie bietet nämlich vielen Lärm, viele Instrumente, viel Kunst, aber gar wenig deutliche, eindringende und ergreifende Grundgedanken. Zudem findet man in den schalen, nichtssagenden, melodielosen Kompositionen des heutigen Tages denselben Zeitgeschmak wieder, welcher die undeutliche, schwankende, nebelhafte, rätselhafte, ja, sinnleere Schreibart sich gefallen läßt, deren Ursprung hauptsächlich in der miserablen Hegelei und ihrem Scharlatanismus zu suchen ist.

Gebt mir Rossinische Musik, die da spricht ohne Worte! – In den Kompositionen jetziger Zeit ist es mehr auf die Harmonie, als die Melodie abgesehn: ich bin jedoch entgegengesetzer Ansicht und halte die Melodie für den Kern der Musik, zu welchem die Harmonie verhält, wie zum Braten die Sauce.

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A Música como língua comum

A Música é a verdadeira língua comum, que se entende por todo lugar: por isso, ela ser comentada ininterruptamente em todas as terras e através de todos os séculos, com grande seriedade e entusiasmo, e  uma melodia significativa e cheia de sentido fazer o seu percurso torno de todo o mundo muito rapidamente; enquanto uma melodia pobre de sentido e que não diz nada desaparece e morre; o que confirma, que o conteúdo da melodia é muito bem entendido. Porém, elas não falam de coisas, mas nada além da alegria e da dor, como aquelas únicas realidades são para a Vontade: daí ela fala muito para os corações; quando ela não tem nada a dizer imediatamente para a cabeça é um abuso esperar isso dela, como acontece em toda Música Figurativa, que, por isso, é de uma vez por todas repreensível; embora Haydn e Beethoven tenham se perdido por esse caminho; Mozart e Rossini, pelo meu conhecimento, nunca o fizeram. Pois uma é expressão das paixões, a outra, pintura das coisas.

Também a gramática dessa língua comum é regulada da forma mais precisa; embora só desde que Rameau colocou os fundamentos para isso. Contudo, o vocabulário, eu penso, conforme dito acima, o importante significado, de que não se pode duvidar, do próprio conteúdo, quer dizer, a razão, quando também feita palpável apenas em torno de generalidades, que seria, o que a Música diz na melodia e na harmonia, e sobre o que ela fala; até onde compreendi, não tentou-se seriamente decifrar nem uma vez; - o que, como tantas outras coisas confirma absolutamente, o quão pouco as pessoas são inclinadas à reflexão e ao pensamento; e com que inconsciência, ao contrário, elas vivem. Em todo lugar é sua intenção, apenas aproveitar e, de fato, com o menor esforço possível do pensamento. Sua natureza a traz assim consigo. Portanto, surge assim de modo farsesco, quando elas pensam ter de interpretar os filósofos; como é visível aos nossos professores de filosofia, seus excelentes trabalhos e a sinceridade de seu entusiasmo pela filosofia e pela verdade.

Em geral e ao mesmo tempo, popularmente falando, pode-se arriscar: a Música em si é a melodia, para a qual o mundo é o texto. O verdadeiro significado do mesmo, porém, obtém-se sozinho, através de minha interpretação da música.

Mas agora a relação da arte dos sons, para aqueles sempre abertos a ela, determinam o externo como texto, ação, marcha, dança, festividade espiritual ou mundana, etc. é análogo à relação com a arquitetura como apenas bela, quer dizer, sobre a arte direcionada para fins puramente estéticos aos quais a construção real, que ela criou, com cujas utilidades, deve, por isso, buscar unir a fins estranhos, nos quais ela coloca estes sob as condições daquele, mas intercaladas, e portanto produz assim um templo, palácio, arsenal, teatro, etc., que é tanto belo em si, quanto seu fim apropriado, e até este mesmo se faz conhecer, através de suas características estéticas.

Assim, de modo análogo, apesar da também inevitável serventia, a música tem para o texto, ou qualquer  outra coisa, sua realidade colocada. Ela deve primeiro se unir ao texto, embora ela não necessite dele de modo algum; sim, sem ele, mover-se-ia de modo mais livre: ela deve porém não apenas adequar cada nota à duração das palavras e seu significado; mas também, consistentemente, aceitar alguma homogeneidade com ele e também ao caráter do restante; seu fim arbitrariamente colocado deve, portanto, ser como música de Igreja, Ópera, Militar, Música de Dança e semelhantes. Isso tudo, porém, é tão estranho à sua essência, como os fins utilitários humanos à pura arquitetura estética, os quais subordinam aos estranhos fins o conforto e sua qualidade rochosa. À arquitetura, isso é quase sempre inevitável; à música não é assim: ela move-se livre em um concerto, na sonata e sobretudo na sinfonia, seu belo viveiro, sobre o qual ela festeja sua saturnália.

Mas agora está longe no mal caminho sobre o qual nossa música se encontra, análogo àquele da arquitetura romana gerado pelos últimos césares, onde, notadamente, a sobrecarga de ornamentos, em parte esconde, em parte até mesmo desloca, as simples relações essenciais: eles oferecem, notadamente, muito barulho, muitos instrumentos, muita arte, mas muito poucos pensamentos essenciais penetrantes e pungentes. Além disso, encontra-se novamente nas composições insossas, que não dizem nada e sem melodia dos dias de hoje, o mesmo gosto de época, daqueles que se deixam gostar dos escritos obscuros, vacilantes, nebulosos, enigmáticos, e até sem sentido, cuja origem é encontrada principalmente no miserável hegelianismo e seu charlatanismo.

Dê-me a música de Rossini, que fala, pois, sem palavras! - Nas composições contemporâneas exige-se mais da Harmonia que da Melodia: eu sou, porém, de visão contrária e mantenho a Melodia como o cerne da música, à qual a Harmonia se relaciona, como o molho para o assado.