terça-feira, 29 de novembro de 2011

A música alemã: de Wagner a Wir sind Helden - Parte 2

Só é possível ter uma noção da música pop alemã à partir dos anos de 1960 e 1970. Em meu curso, depois de "aterrorizar" os alunos com Schönberg e Stockhausen, apresentei um grupo que se dizia inspirado, senão "discípulos" de Stockhausen, que também atuou como um dos precursores da música eletrônica. Esse grupo, gravou também canções em inglês, o que os tornou mundialmente conhecidos, e ele é nada mais nada menos que Kraftwerk, nome que significa "usina de força". Imitando robôs, eles começam a ressaltar um aspecto que, pelo menos na música pop acabou se sobrepondo à própria música, que é o aspecto visual do grupo. Além disso, são considerados os precursores e inspiradores da música eletrônica, tendo seguidores como os franceses do Daft Punk:



Daqui para frente não tenho muito mais a dizer, deixo apenas alguns exemplos da música alemã, cantada em alemão, que é bem variada e não se resume ao bem conhecido Rammstein.
















Essa última música é um clássico do rock da antiga Alemanha Oriental. Parece uma música sobre superação e o refrão diz:

Sobre sete pontes, você deve passar,
A sete anos sombrios sobreviver.
Sete vezes você virará cinzas,
Mas uma vez também, uma luz brilhante.

sábado, 12 de novembro de 2011

A música alemã: de Wagner a Wir sind Helden - Parte 1

Conforme escrito em meu "Sobre mim", A música alemã: de Wagner a Wir sind Helden foi uma aula dada por mim como parte do estágio de licenciatura em língua alemã. Nosso grupo resolveu que, em vez de se preocupar com a língua, iríamos falar sobre a cultura alemã, introduzindo uma ou outra curiosidade linguística conforme fosse conveniente. Nossas aulas deram conta de um amplo espectro da cultura e da história alemãs durante o século XX, abrangendo tanto fatos históricos, como as duas Grandes Guerras e a República de Weimar, quanto culturais, a saber, o cinema alemão - que figurava entre os mais importantes do início do século -, o teatro de Brecht e a música, parte que coube a mim.

O título escolhido abrange um pouco mais que o século XX, tomando como início a obra de Wagner e chegando até o século XXI com a música pop cantada em alemão. A pretensão dessa aula não era dar a história detalhada sobre cada compositor, mas sim oferecer um panorama amplo da variedade da música  nos territórios de língua alemã durante esse período.

Em fins do século XIX, após a Unificação em 1871, a música nos territórios de língua alemã encontrava-se dividida em duas vertentes, ou antes colocada sob o signo de dois grandes mestres: Johannes Brahms e Richard Wagner. O primeiro residia em Viena, local considerado centro de uma tradição musical e "capital da valsa", por onde passaram o que na história da música se chama de Primeira Escola de Viena, nome que se refere aos compositores Joseph Haydn, Wolfgang Amadeus Mozart e Ludwig van Beethoven. A música de Brahms era considerada mais conservadora, sendo, porém, segundo Otto Maria Carpeaux, aquela que portava o verdadeiro espírito alemão, herdado de Johann Sebastian Bach entre outros.

Contudo, era Wagner que produzia uma música ideologicamente bastante nacionalista, com suas óperas que exaltavam a tradição e herança pagãs do antigo mundo germânico. Do ponto de vista composicional, Wagner também era um experimentador, utilizando-se bastante do cromatismo e desafiando as fronteiras da música tonal. Eis abaixo, uma cena de Tristan e Isolde, em uma encenação modernizada:


O segundo compositor que destaquei, foi o judeu-austríaco Arnold Schönberg, que, antes de se mudar para os E.U.A., trabalhou no conservatório de Berlin. Auto-didata e conhecedor de um vasto repertório, Schönberg rompeu de vez com a música tonal e lançou uma nova forma de composição: a música dodecafônica ou serial. É uma música bastante diferente e dissonante aos nossos ouvidos, considerada como o expressionismo na música. Sua obra, como um todo, é marcada também por importantes escritos teóricos, com destaque para o Harmonielehre (em português Harmonia, publicado pela editora Unesp). Por fim, Schönberg e seus discípulos mais proeminentes, Alban Berg e Anton Webern, formam o que é conhecido como Segunda Escola de Viena:


Ao romper com o tonalismo, Schönberg abriu caminhos para uma música nova, cujas experimentações foram se tornando cada vez mais radicais. No século XX, com as novas tecnologias, a possibilidade de gravação e reprodução da música por diversos meios, fez com que a música também se desenvolvesse sob diversas formas. Em alguns casos, como no jazz - tipo de música bastante tocado durante a República de Weimar - a música fugia da monotonia, que poderia ser gerada pelas gravações, através da improvisação. Em outros, os próprios meios eletrônicos e de gravação eram usados para compor. O maior expoente dessa música de vanguarda é Karlheinz Stockhausen, que merece dois exemplos bastante diversos de sua música:


A variedade da obra de Stockhausen pode ser contemplada quando ouvimos a peça acima e a obra Stimmung, uma obra somente vocal, lembrando os madrigais e motetos renascentistas, composta de vários "modelos" (partes) e que possui uma certa abertura à improvisação dos intérpretes:


Assim finalizo a parte da música erudita e de vanguarda. No próximo post passamos à música pop alemã, dos anos de 1970 até hoje.

domingo, 6 de novembro de 2011

Berlim: entulho e cinzas

por Prof. Dr. José Pedro Antunes
Unesp - Araraquara

Para acompanhar a leitura de “Guerra Aérea e Literatura”, de W. G. Sebald (Cia. das Letras, 2011), percorro algumas séries de fotos de Berlim (abril/maio, 1945) que a revista Der Spiegel on-line disponibiliza. Já no título de uma delas, “Berlin in Schutt und Asche”, duas palavras do vocabulário da literatura do pós-guerra: entulho e cinzas. Para escorar seu desconforto, esses autores, ex-combatentes, buscaram uma zona de conforto, digamos assim, numa sintaxe cristalizada, elegendo um modelo preferencial: o realismo do século XIX. Sem atentar para seus equívocos de base. Ou, como quer Peter Handke, a combater o mal com a mesma linguagem que o produziu.
Foto 1: (2 de maio, capitulação da cidade): o que restou do Reichstag. (O número 7 da Coleção Folha Grandes Arquitetos, dedicado ao autor do projeto, Norman Foster, traz belas fotos do edifício, hoje, restaurado e ampliado.)

Foto 2 (abril/maio): o soldado russo observa, cruz de ferro no peito, o corpo de um alemão que tombara em combate no centro da cidade.

Foto 3: no texto que a acompanha, um outro verbete dos debates do pós-guerra: “Trümmer” (escombros). Daí, “Trümmerstadt” (cidade de escombros) ou “Trümmerliteratur” (literatura de escombros). E, claro, “Trümmerfrauen” (mulheres de escombros). Quem já não as terá visto em fotos ou filmes americanos da época? Em “Ilusão Perdida”, o piloto americano (Montgomery Cliff), engajado no abastecimento do setor ocidental sitiado, se apaixona na por uma delas. Vale lembrar que o termo “Luftbrücke” (ponte aérea) foi cunhado para designar as operações dos pilotos americanos, tendo se perpetuado no vocabulário da aeronáutica. Na falta absoluta de homens em idade produtiva, mutirões de mulheres empreenderam as tarefas da reconstrução, antecipando-se, por força das circunstâncias, à emancipação defendida pelo feminismo programático de duas décadas depois.

Foto 4 (anterior a 23 de maio): pessoas buscam passagem por entre os montes de entulho que inviabilizam a Stallschreiberstrasse. De onde terão saído e para onde seguiriam em meio à urbe devastada?

Foto 5: a Potsdammerbrücke arruinada. (A ponte que tantas vezes atravessei em janeiro de 1994. Ali perto, a editora Langenscheidt, um nome que rebrilha amarelo-ovo na memória afetiva do germanista brasileiro, por conta do dicionário, que, há décadas, solitário, heróico, lhe oferece luzes e alguns problemas com os usos lusitanos.) Numa das pontes adiante, idêntica, Wim Wenders filmou a sequência de “Asas do Desejo”, na qual os protagonistas, anjos, assistem um homem à morte depois de um acidente.

Foto 6: por volta do dia 9 de maio, o Spittelmarkt ainda fumegante, a cidade marcada pelos ataques aéreos dos aliados.
Foto 7: a história contada pelos vitoriosos. Difícil saber o que realmente achavam ter conquistado, mas os soldados russos elegeram como pano de fundo, para o seu júbilo viril, a Siegessäule (Coluna da Vitória), hoje amplamente conhecida como símbolo da comunidade gay berlinense.

Foto 8: as ruínas da Neue Reichskanzlei, símbolo de poder transformado em símbolo da derrocada.

Fotos 9 e 10: a cidade arrasada, tal como foi vista por aqueles que, dias depois, criaram coragem para sair dos porões e abrigos subterrâneos, onde se amontoaram, como ratazanas acuadas, por semanas intermináveis. Ao sair, temiam os soldados soviéticos, que, nos dias que se seguiram, passaram a abastecê-los com alimentos.



Com o título em alemão, acima mencionado, o leitor interessado encontrará acesso a esta e a outras séries de fotos do período. Em “Guerra Aérea e Literatura”, W. G. Sebald realiza a tarefa da qual, como ele denuncia, a literatura alemã do pós-guerra terá se mostrado incapaz: conferir materialidade à destruição total de grande parte das cidades alemãs e revelar a exata dimensão do horror, do ensandecimento vivido pelos sobreviventes. Assunto para uma resenha mais adiante.