segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Noites de inverno são tempos para os contos dos Grimm


por Matthias Heine – 29.10.2010

Os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm registraram durante século XIX todos os contos de fadas que eles ouviram. Felizmente, caso contrário, haveria muito menos para se contar.

Por gerações o mais famoso contador de histórias da Alemanha foi reconhecido sobretudo por seus méritos na área da linguística. Gerações de germanistas inteiras precisaram de ainda 100 anos para concluir, sozinhos, apenas o "Dicionário de Alemão", que, no momento da morte de Jacob Grimm em 1863 já estava completo até a letra F.

Porém, os Grimm não se tornaram mundialmente famosos através de seu dicionário, mas sim através de sua coleção Contos para o Lar e para as Crianças, que, supostamente, foram-lhes confidenciados da boca do povo. Ela não foi a primeira de seu tipo: já em 1782, Johann August Musäus tinha publicado seus Contos populares dos Alemães e encontrado rápidos copiadores.

Contudo, nenhum desses livros teve o efeito dos contos dos Grimm. Traduzida em 160 línguas, a coletânea é - ao lado da Bíblia - de longe, o livro mais difundido e lido do mundo. Agora mesmo chega aos cinemas um novo desenho animado da Disney, que é uma variação do conto "Rapunzel" dos Grimm.

É inacreditável que ninguém tenha se interessado por isso antes do surgimento dos dois volumes em 1812 e 1815. O editor Georg Reimer deixou os 350 exemplares não vendidos do segundo volume serem novamente triturados e reaproveitados como matéria prima. O sucesso começou por uma via indireta, através da Inglaterra: lá, Edgar Taylor, em 1823, publicou uma tradução dos 50 contos mais simples e que se fixam rápido na memória, que foram vendidos freneticamente.

Como se dois grandes feitos como o Dicionário e os Contos já não bastassem, os irmãos fundaram, além disso, a pesquisa científica da língua alemã, com edições filologicamente exatas de textos da Idade Média, com uma Coletânea de Sagas e com seus trabalhos de gramática.

Essa produtividade violenta é explicável através de um fenômeno que hoje está amplamente em extinção: a ética de trabalho protestante. Os Grimms eram descendentes de uma família de Cristãos Evangélicos Reformados, cujos antepassados, desde a comunidade rural até o funcionalismo público tinham trabalhado muito.

Nesse mundo, o trabalho era como serviço religioso, e o sucesso alcançado através do esforço era como um sinal de que o olho do Senhor repousava misericordiosamente sobre o bem sucedido.

A relação dos irmãos permaneceu bem estreita durante toda a vida; até a juventude, eles deviam dividir uma mesma cama. Mas também quando Wilhelm casou-se em 1825, a ligação não se rompeu. Jacob escreveu em 17 de dezembro de 1859 a um colega: "ontem, dia 16, às 3 horas da tarde, Wilhelm, a metade de mim, morreu. É maravilhoso, que ele ja tenha terminado até a letra D."




Fonte: http://www.welt.de/kultur/literarischewelt/article11784577/Winterabende-sind-die-Zeit-fuer-Grimms-Maerchen.html

Quando estive na Alemanha, tive que fazer um pequeno seminário sobre um tema qualquer. Então escolhi os Grimm e dei sorte de achar esse texto, com várias informações interessantes, como o número de línguas em que os seus contos foram traduzidos e a ética de trabalho protestante! Quando apresentei o seminário era inverno lá... portanto, uma boa época para um conto dos Grimm!

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Professores nativos vs. professores brasileiros

Observando o mercado, alguns alunos e suas expectativas, notei que os olhos de alguns donos de escola ou mesmo dos alunos brilham só de pensar em ter aulas com um professor nativo, ou alguém que morou algum tempo fora, geralmente de au pair. Enfim, daí surge a questão: Será que eles são/serão melhores professores?

A primeira pergunta a ser feita deveria ser: eles são professores? Sim, pois basta pensar em si mesmo como falante de português: você saberia transmitir todos os conhecimentos necessários para o domínio da língua para um estrangeiro? Ou mesmo, saberia explicar português para um brasileiro?

Pois chegamos a resposta, um professor nativo de língua estrangeira deve, antes de tudo, ser um professor, conhecer a língua e saber explicá-la de forma clara e inteligível, mesmo que em seu idioma nativo. Contudo, não é isso que podemos ver em várias escolas de idiomas (leia-se as escolas menores). Muitas vezes, o professor é algum brasileiro que morou fora do país por um tempo e ensina o idioma estrangeiro, ser ter sequer estudado para ser professor de língua. Idem para o professor nativo. O que decorre daí são vários problemas de dúvidas não solucionadas e até um possível choque cultural.

Citando um exemplo de um problema comum: é difícil para um alemão explicar o que são casos para um falante de português. O assunto em questão é, na verdade, difícil de explicar até mesmo para um professor brasileiro, que teve primeiro que estudar o conceito de caso e encontrar uma forma própria de entendê-lo para depois retransmiti-lo. Assim, podemos verificar os seguintes problemas com professores nativos, que não estudaram para ser professores (ponto muito importante):

  • Eles podem não entender as dúvidas dos alunos, caso não conheçam a fundo a língua materna deles;
  • Por não entenderem os alunos, podem ser rígidos demais, o que desestimula o aprendizado;
  • Criam pressupostos que não existem, visto as línguas serem muito diferentes, isto é, pensa que o aluno deve saber algo intuitivamente, mas que não faz sentido em sua língua materna;
  • Não dominam formas de transmitir o conhecimento e, no caso de migrantes que moram há muito tempo no país, prendem-se a velhas formas de aprendizado.

Há também aqueles que moraram um bom tempo no exterior e se aventuram a ensinar a língua, mas também não estudaram para ser professores. Nesse caso deve-se atentar para o fato de que:

  • Eles, na maior parte das vezes, não aprenderam a norma culta da língua;
  • Também não dominam formas de ensinar;
  • Não possuem o conhecimento adequado, caso o aluno queira atingir altos níveis de proficiência.

Mas devemos citar também as vantagens de tais "professores", tais como:

  • Transmitir uma vivência cultural do país estrangeiro;
  • Estar mais acostumado com o falar coloquial (gírias, etc.)
  • Entender a cultura e o modo como se dão as relações inter-pessoais no país estrangeiro;
  • No caso de professores nativos, ter uma pronúncia com menos sotaque brasileiro (embora possa possuir uma pronúncia dialetal um tanto confusa, que se desvia da norma padrão).

Entretanto, é necessário valorizar o profissional que realmente estudou para ser professor da língua, o qual nem sempre possui essa vivência no país estrangeiro. Contudo, se for um profissional bem preparado, ele:

  • será alguém bem qualificado para tirar quaisquer dúvidas do aluno e entender a origem dessas dúvidas, especialmente por ter um conhecimento aprofundado da língua materna do aluno;
  • geralmente, terá um conhecimento da cultura erudita construída através da língua alvo, ou seja, sua literatura, arte, história, etc.
  • será um professor de verdade, alguém preparado não só com os conhecimentos da língua, mas também com os métodos para transmiti-la.
Finalizando esse post que já se alongou bastante, gostaria de ressaltar que não importa tanto a experiência no exterior ou o fato de o professor ser ou não falante nativo da língua. O que realmente importa é que ele seja um professor, instruído e capacitado para isso!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

De onde vêm os buracos no queijo? - Kurt Tucholsky

Queijo Emmental
"O trabalho já nos força à admiração  pela erudição, que lhe parece passada demais, especialmente aos leitores, cuja  formação, como a minha, lembra um queijo Emmental, que é, em grande parte, formado por lacunas". 
Alfred Polgar


Quando é realmente uma noite social, as crianças comem primeiro. Crianças não precisam ouvir tudo o que os adultos falam, e isso também não é chique; e também é mais barato. Temos sanduíches; a mamãe belisca algum, o papai ainda não está.

- Mamãe, Sônia disse, que já pode fumar - mas ela não pode fumar de jeito nenhum!

-Você não devia conversar à mesa.

- Mamãe, olha só os buracos no queijo!

Duas vozes de criança, ao mesmo tempo:

- Tobi é um bobão! No queijo sempre tem buracos!

Uma voz chorosa de menino:

- É... mas por quê? Mamãe! De onde vêm os buracos no queijo?

- Você não devia conversar à mesa!

-Mas eu só queria saber, de onde vem os buracos no queijo!

Pausa. Mamãe:

- Os buracos... ora, um queijo sempre têm buracos, nisso as meninas têm toda razão!... Um queijo tem sempre buracos mesmo.

- Mama! Mas este queijo não tem nenhum buraco! Por que este não tem buracos? Por que o outro tem buracos?

- Agora fica quieto e coma. Eu já lhe disse centenas de vezes: você não deve conversar à mesa! Coma!

- Grrrrr! Mas eu queria saber, de onde vem os buracos... ai, ai, ai, não me empurre sempre...!

Gritos. Entra o Papai.

- O que está acontecendo aqui? Banoite! Ah, o rapazinho está outra vez malcriado!
- Num sou malcriado! Só quero saber de onde vêm os buracos no queijo. Aquele queijo lá tem buracos, e esse não tem nenhum!

Papai:

-Ah, não precisa gritar por causa disso! A mamãe vai lhe explicar!

Mamãe:

- Agora você dá direito ao menino! À mesa, ele tem que comer, não conversar!

Papai:

- Se uma criança pergunta algo, podemos então finalmente lhe explicar! Acho eu.

Mamãe:

- Toujours en présence des enfants![1] Se eu achasse certo explicar, então já teria explicado. Agora come!

- Papai, mas de onde vem os buracos no queijo, eu queria muito saber!

Papai:

- Bem, os buracos no queijo, é na fabricação; queijo se faz de manteiga e de leite, então ele é fermentado e daí ele fica úmido; na Suíça, eles fazem isso muito bem! Quando você for grande, você pode ir alguma vez à Suíça, lá têm montanhas tão altas, que tem neves eternas por cima... é bonito, o quê?

- Sim. Mas, papai, de onde vêm os buracos no queijo?

- Eu acabei de lhe explicar: eles vêm quando ele é fabricado, quando é feito.

- Sim, mas... como eles param lá dentro, os buracos? Menino, agora não me perfure com seus buracos [2] e vá para a cama! Marche! É tarde!

- Não! Papai! Ainda não! Me explica primeiro de onde vem os buracos no queijo...

Bumm. Safanão. Grito escandaloso. Campainha.

Tio Adolf:

- Boa noite! Boa noite, Margot... e... noite... então, como vai? O que as crianças estão fazendo? Tobi, o que você gritou mesmo?

- Eu quero saber...

- Fica quieto ...!

- Ele quer saber...

-Então, agora leve o menino para a cama e me deixe em paz com essas bobagens! Venha, Adolf, enquanto isso, nós vamos à sala dos homens, aqui ficou encoberto!

Tio Adolf:

- Boa noite! Boa noite! Velho gritador! Da próxima, só escute...! O que ele tem afinal?

- Margot não é firme com ele. Ele quer saber de onde vem os buracos no queijo, e ela não lhe explicou isso.

- Então você explicou?

- Claro que lhe expliquei!

- Obrigado, não vou fumar agora... Mas diga, você sabe mesmo de onde vem os buracos no queijo?

- É, essa é uma pergunta estranha! Claro que sei de onde vem os buracos no queijo! Eles surgem na fabricação, através da umidade... isso é tão simples!

- Hum, meu caro... então você explicou uma grande coisa ao garoto! Isso não é, de jeito nenhum, uma explicação!

- Ah, não me leve a mal! Você é bem estranho! Você pode, então, me explicar de onde vêm os buracos no queijo?

- Graças a Deus, eu posso!

- Então, por favor.

- Bem, os buracos no queijo surgem através da assim chamada caseína, que está dentro do queijo.

- Que besteira!

- Não é besteira.

- Uma grande besteira, pois isso não tem nada a ver com a caseí... Noite, Martha!... Noite, Oskar... por favor, puxe uma cadeira. Como vai?... nada a ver com a caseína!

- Sobre o que vocês estão discutindo?

Papai:

- Lhe peço por tudo no mundo, Oskar! Você que é estudado e é advogado: os buracos no queijo tem alguma coisa a ver com a caseína?

Oskar:

- Não. Os queijos nos buracos... quero dizer, os buracos no queijo resultam de... bem eles surgem, porque o queijo se expande muito rápido pelo calor na fermentação!

Vaias dos, de repente aliados, indescritíveis heróis Papai e tio Adolf.

- Haha! Hahaha! Ah, essa é uma explicação engraçada! O queijo se expande! Ouviu isso? Haha...!

Entra tio Siegismund, tia Jenny, Dr. Guggenheimer e Diretor Flackeland. Um grande "Boa noite! Boa noite!... como vai?... conversam sobre... mas que estranho... justamente buracos no queijo!... logo, logo, vai ser comido... bem, por favor, então explique você!"

Tio Siegismund:

- Bem... os buracos no queijo surgem porque o queijo durante a fermentação, se encolhe por causa do frio.

Crescente murmúrio, rumor, então grande explosão com toda uma orquestra ocupada: "Haha! Do frio! Você já comeu queijo frio? Ainda bem que o senhor não faz queijos, senhor Apolant! De frio! Hehe! - Tio Siegismund, ofendido, se retira para o canto.

Dr. Guggenheimer:

- Antes que se possa decidir essa questão, os senhores devem primeiro me dizer, de que queijo se trata. Pois isso depende mesmo do queijo!

Mamãe:

- Sobre queijo Emmental! Nós o compramos ontem... Martha, agora eu só compro no Danzel; com o Mischewski, não estou mais satisfeita, ele nos mandou recentemente umas passas que estavam bem...

Dr. Guggenheimer:

- Bem, se é Emmental, então a coisa é muito simples. O Emmental tem buracos, porque ele é um queijo duro. Todos os queijos duros têm buracos.

Diretor Flackeland:

- Meus senhores, para isso precisamos outra vez de um homem da vida prática... os senhores são em grande parte acadêmicos... - (ninguém contradiz) - Portanto, os buracos no queijo são produtos da decomposição durante o processo de fermentação. Sim, o... o queijo se decompõe, exatamente... porque o queijo...

Todos os dedões já estavam voltados para baixo, o povo se levantou, a tempestade irrompeu: "Bah! Isso eu também sei! Com fórmulas químicas é que a coisa não é feita!" Uma voz alta: "Vocês não têm nenhuma enciclopédia?"

Tempestade na biblioteca. Heyse, Schiller, Goethe, Bölsche, Thomas Mann, um velho álbum de poesias - onde está então... certo!

POLITONALIDADE ATÉ RICHELIEU

- Pugilismo, Pulsar, Qatar, Quadratura, Quadrinhos, Quasar, Queijo! - Me deixe! Vai embora! Pardon! Bem: 'A consistência porosa de alguns tipos de queijo resulta do surgimento de ácido carbônico a partir do açúcar contido no soro'.

Todos em uníssono:

- É... O que eu tinha dito?

- ... contido no soro e é... para onde continua? Margot, você arrancou aqui uma página na enciclopédia? Ah, isso é ultrajante! Quem esteve aqui na estante de livros? São as crianças...? Por que você não tranca a estante de livros? Por que você não tranca a estante de livros, é... bom - centenas de vezes eu falei, tranque-a!

- Mas agora vamos: como era então? Sua explicação estava errada. Minha explicação certa.

- O senhor disse: "o queijo esfria". Eu disse, que o queijo esquenta!

- Ah bem, então o senhor não disse nada sobre soro de leite açúcar e carbônico, como está aqui dentro!

- O que você disse era completamente absurdo!

- O que você entende de queijo? Você não sabe diferenciar um redondo queijo de cabras de um velho queijo holandês!

- Talvez eu tenha comido mais velhos queijos holandeses na minha vida que você!

- Não cospe, quando fala comigo!

Agora todos estão falando ao mesmo tempo.

Ouve-se:

- Seja amável e decente quando estiver como convidado em minha casa...!

- Natureza ácida do Sorúcar...

- A mim não faz nenhum sentido!

- Para queijos suíços, sim! Para queijo Emmental, não!

- Você está aqui, não na sua casa! Aqui tem gente decente...

- Onde mesmo?

- Pegue isso de volta! Pegue imediatamente de volta! Eu não permito que meus convidados me insultem em minha casa - eu não permito que insultem meus convidados em minha casa! Você saia imediatamente de casa!

- Eu ficarei feliz quando estiver fora; da sua comida, eu não preciso!

- Você não pisa mais não pisa mais na minha propriedade!

- Meus senhores, mas isso é... !

- Os senhores calem a boca - os senhores não pertencem à família!...

- Ah, mas ainda não tomei meu desjejum!

- Eu como homem de negócios... !

- Agora ouçam com atenção: nós tivemos um queijo na guerra...

- Isso não foi nenhuma reconciliação! Para mim tanto faz se você explodir: vocês nos traíram, e quando eu morrer, vocês não entram em minha casa!

- Hipócrita, papa-heranças!

- Você tem uma!

- E eu digo bem alto para todos ouvirem: hipócrita papa-heranças! Assim! E agora vai lá e me processe!

- Malcriado! Um grande preguiçoso malcriado! Não se admira, pelo pai!

- E o seu? Quem é mesmo o seu? Onde você encontrou sua mulher mesmo?

- Fora! Malcriados!

- Onde está meu chapéu? Em uma casa como essa, a gente pode até perder as coisas!

- Isso ainda vai ter consequências jurídicas! Malcriado!

- O senhor a mim também é!

Ao abrir a porta aparece Emma, que vem de Gumbinnen [3], e diz: "Magnânima, está feito!"

4 queixas de insulto privado. 2 testamentos invalidados. 1 contrato rescindido. 3 hipotecas rescindidas. 3 queixas acerca de bens móveis: uma assinatura do teatro conjunta, uma cadeira de balanço, um bidê eletricamente aquecido. 1 despejo do anfitrião.

Na cena ficam para trás um triste queijo emmental e um menininho, que levanta os braços gorduchos para o céu e, apelando ao cosmos, grita retumbantemente:

- Mamãe! De onde vêm os buracos no queijo?


[1] em francês no original
[2] há aqui um trocadilho entre o verbo löchern - que significa encher alguém de perguntas ou dizer repetidamente seus desejos a alguém - e o substantivo Löcher, plural de Loch, buraco.
[3] Antiga região da Prússia, a frase dela é dita em uma forma de pronúncia dialetal.

Original disponível em: http://www.zeno.org/nid/20005815193

domingo, 9 de outubro de 2011

Sobre o significado de: OM MANI PADME HUM


A joia está na flor de lótus ou louvor à joia na flor de lótus.

por Sua Santidade Tenzin Gyatso, o décimo quarto Dalai Lama do Tibete. 

É muito bom recitar o mantra OM MANI PADME HUM, mas enquanto você o está fazendo, deveria pensar em seu significado, pois o significado das seis sílabas é vasto e incomensurável. A primeira, OM, é composta de três letras puras: A, U e M. Elas simbolizam o corpo, a fala e a mente impuros do praticante; elas também simbolizam o corpo, a fala e a mente pura e nobre de um Buda. 

O corpo, a fala e a mente impuros podem ser transformados em corpo, fala e mente puros, ou elas são completamente separadas? Todos os Budas são casos de seres que eram como nós, então, por sua confiança no caminho, tornaram-se iluminados; o budismo não afirma que exista alguém que, desde o começo, é livre de faltas e possui todas as boas qualidades. O desenvolvimento do corpo, da fala e da mente puros vem do abandono gradual dos estados impuros, assim seu ser se torna puro. Como isso é feito? 

O caminho é indicado pelas próximas quatro sílabas. MANI, significando joia, simboliza o elemento do método: a intenção altruística de se tornar iluminado, compaixão e amor. Da mesma forma que uma joia é capaz de afastar a pobreza, a mente altruística da iluminação é capaz de remover a pobreza, ou dificuldades, da existência cíclica e da paz solitária. Igualmente, da mesma forma que uma joia preenche os desejos dos seres sencientes, a intenção altruística de se tornar iluminado preenche os desejos dos seres sencientes. 

As duas sílabas PADME, significando a flor de lótus, simbolizam a sabedoria. Da mesma forma que a flor de lótus cresce a partir da lodo, mas não é manchado por ele; assim, a sabedoria é capaz de o colocar em uma situação de não contradição, onde deveria ela deveria ocorrer, caso você não tivesse sabedoria. Existe a sabedoria que compreende a impermanência; a sabedoria que compreende que as pessoas são vazias de autossuficiência ou real existência; a sabedoria que compreende o vazio da dualidade (o que significa a discriminação de natureza entre sujeito e objeto); e a sabedoria que compreende o vazio inerente à existência. Embora possam existir diferentes tipos de sabedoria, a principal, dentre todas elas, é a de compreender o vazio. 

A pureza pode ser alcançada por uma unidade indivisível de método e sabedoria, simbolizada pela sílaba final HUM, que indica a indivisibilidade. De acordo com o sistema sutra, essa indivisibilidade de método e sabedoria refere-se a uma consciência na qual existe uma forma completa de tanto sabedoria afetada pelo método quanto método afetado pela sabedoria. No mantra, ou veículo tântrico, isso refere-se a uma consciência na qual há uma forma completa de ambos sabedoria e método como uma entidade indiferenciável. Em termos de sílabas germinais dos cinco Budas conquistadores, HUM é a sílaba germinal de Akshobhya – o impassível, o imperturbável, que não pode ser perturbado por nada. 

Assim, as seis sílabas, OM MANI PADME HUM, significam que na dependência da prática, que é em uma união indivisível de método e sabedoria, que você pode transformar seu corpo, fala e mente impuros no corpo, fala e mente puros de um Buda. É dito que você não deve buscar pela budeidade fora de si mesmo; o material para o alcance da budeidade estão dentro de si. Como Maitreya diz, em sua SUBLIME CONTINUIDADE DO GRANDE VEÍCULO (UTTARA TANTRA), todos os seres naturalmente tem a natureza de Buda em sua própria continuidade. Nós temos dentro de nós a semente da pureza, a essência de um Caminhar Assim (TATHAGATAGARBHA), que é para ser transformada e completamente desenvolvida em budeidade. 

(Da palestra dada por Sua Santidade O Dalai Lama do Tibet no Centro Budista Mongol Kalmuck, Nova Jersey.) Transcrito por Ngawang Tashi (Tsawa), Drepung Loseling, MUNGOD, INDIA.