segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O herói é um Hobbit por W. H. Auden


Apresento aqui uma tradução da resenha The Hero is a Hobbit escrita pelo poeta W.H. Auden e publicada em 31 de outubro de 1954 no jornal The New York Times. O texto original pode ser encontrado aqui.


31 de outubro de 1954
O herói é um Hobbit
por W. H. Auden

Dezessete anos atrás apareceu, com pouco alvoroço, um livro chamado O Hobbit, que, na minha opinião, é uma das melhores histórias para crianças desse século. Em A Sociedade do Anel, que é o primeiro volume da trilogia, J. R. R. Tolkien continua a imaginativa história do mundo imaginário, ao qual ele nos apresentou em seu livro mais antigo, mas em um modo adaptado aos adultos, para aqueles, a saber, entre as idades de 12 e 70 anos. Para qualquer um que goste do gênero ao qual ele pertence, a Busca Heróica*, eu não posso imaginar um presente de Natal mais maravilhoso. Todas as buscas são relacionadas a algum objeto mágico, as Águas da Vida, o Graal, um tesouro enterrado etc; normalmente é um Objeto bom, o qual é tarefa do herói encontrar ou resgatar do Inimigo, mas o Anel da história do Sr. Tolkien foi feito pelo Inimigo e é tão perigoso que até mesmo os bons não podem usá-lo sem que sejam corrompidos.

O Inimigo acreditava que ele estava perdido para sempre, mas descobriu que ele tinha chegado providencialmente às mãos do Herói e está empregando todos os seus poderes demônicos para sua recuperação, que lhe daria a dominação do mundo. O único modo de tornar certa a sua derrota é destruir o Anel, mas isso só pode ser feito de uma forma e em um lugar, que fica no coração da região [inimiga]; a tarefa do Herói, portanto, é levar o Anel, sem ser pego, ao lugar em que ele possa ser desfeito.

O herói, Frodo Bolseiro, pertence a uma raça de seres chamada hobbits, que pode ter somente três pés de altura; têm pés peludos e prefere viver em casas subterrâneas, mas em seu pensamento e sensibilidade são muito parecidos com aqueles rústicos árcades que habitam tantas histórias de detetives britânicas. Eu penso que alguns leitores podem achar o capítulo de abertura um pouco vergonhoso, mas eles não se devem permitir desistir, pois, uma vez que a história se põe em movimento, essa comicidade inicial desaparece.

Por mais de mil anos, os hobbits tiveram uma existência pacífica em um distrito fértil chamado o Condado [Shire], indiferentes ao mundo exterior. Realmente, esse último é bem sinistro; cidades caíram em ruínas, estradas em mau estado, campos férteis retornaram ao estado selvagem, rondam feras selvagens e seres malignos, e viajar é difícil e perigoso. Além dos Hobbits, há Elfos, que são sábios e bons; Anões, que são habilidosos e bons, como um todo; e Homens, alguns guerreiros, alguns magos, que são bons ou maus. A presente incarnação do Inimigo é Sauron, Senhor de Barad-Dur, a Torre Negra na Terra de Mordor. Ao seu lado estão os Orcs, lobos e outras criaturas horrendas e, claro, tantos homens quanto são atraídos ou subjugados por seu poder. A paisagem, o clima e a atmosfera são aquelas do norte, reminiscentes das sagas islandesas.

A primeira coisa que se exige é que a aventura deva ser variada e excitante; a esse respeito, a criação de Sr. Tolkien é firma, e, em um nível primitivo de querer saber o que acontece em seguida, “A sociedade do Anel” é pelo menos tão boa quanto “The Thirty-Nine Steps.” De qualquer mundo imaginário, o leitor demanda que ele pareça real, e o padrão de realismo exigido hoje em dia é muito mais estrito do que no tempo, digamos, de Malory. O Sr. Tolkien é agraciado por possuir um surpreendente dom para dar nomes e um olho maravilhosamente exato para descrições; no momento em que alguém termina seu livro, ele sabe as histórias dos Hobbits, dos Elfos e dos Anões, e a paisagem que eles habitam, tão bem quando sabe de sua própria infância.

Finalmente, se alguém tomar um conto desse tipo seriamente, deverá sentir que, embora superficialmente diferente do mundo em que vivemos, em como suas personagens e eventos podem ser, ele, não obstante, segura um espelho para a única natureza que conhecemos, a nossa própria; nisso, também, o Sr. Tolkien teve um magnífico sucesso, e o que aconteceu no ano do Condado de 1418, na Terceira Era da Terra-Média, não é apenas fascinante em 1945, mas também um aviso e uma inspiração. Nenhuma ficção que eu tenha lido nos últimos cinco anos me deu maior alegria que “A Sociedade do Anel”.

O trabalho poético mais recente do Sr. Auden é “Nones”.

*Busca Heróica: original é Heroic Quest, creio que ainda não haja, em português, um termo equivalente específico dentro da teoria da literatura.

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